Pular para o conteúdo principal

Precisão é tudo

Sábado é um dia complicado para os jornalistas brasileiros - a maioria folga, porque os jornais de domingo já estão praticamente fechados desde quinta-feira (ou sexta) à noite, quando ocorrem nas redações os famosos pescoções. Acontece que o mundo não para aos sábados e os jornalões brasileiros acabam dando vexame em suas edições de domingo, que em tese deveriam ser as melhores da semana. Um exemplo ocorreu neste último final de semana: a notícia abaixo, sobre as demissões na Volkswagen, foi anunciada justamente no sábado (28/2) e ganhou os seguintes lides na Folha e Estado de S. Paulo:

Estadão:
VW cortará 16,5 mil terceirizados

A montadora demitirá todos os funcionários colaboradores. A medida, afirma a empresa, não afeta o Brasil

AGÊNCIAS INTERNACIONAIS - A Volkswagen vai cortar em 2009 todos os trabalhadores terceirizados, contratados por agências de emprego. A informação foi dada pelo presidente da empresa, Martin Winterkorn, em entrevista à revista alemã Der Spiegel, que circula hoje. A subsidiária brasileira informou que o anúncio não afeta o País, porque não há terceirizados na linha de produção.

Perguntado sobre quantos seriam os tercerizados ao final de 2009, Winterkorn confirmou que não restaria nenhum empregado subcontratado. Segundo a revista, em dezembro de 2008, eram 16.500 mil trabalhadores com esse tipo de contrato. A resposta do executivo foi direta: "Não empregaremos nenhum. Isso é terrível para as pessoas afetadas. Mas não há outra solução."

Folha:
Volks vai dispensar 16,5 mil temporários

Presidente da companhia alemã afirma em entrevista que cortes ocorrerão em todo o mundo, inclusive no Brasil

Subsidiária no país diz que presidente mundial refere-se a trabalhadores terceirizados, e não aos 1.600 funcionários temporários brasileiros

CLAUDIA ROLLI, DA REPORTAGEM LOCAL - A Volkswagen vai dispensar 16,5 mil funcionários temporários que trabalham nas fábricas da montadora em todo o mundo, de acordo com o presidente mundial da companhia, Martin Winterkorn. Em entrevista à revista alemã "Der Spiegel", o executivo diz que os cortes devem atingir o Brasil e o Leste Europeu.
Segundo o diretor de assuntos corporativos da Volks Brasil, André Senador, Winterkorn referiu-se aos trabalhadores terceirizados, contratados por agências que prestam serviços nas linhas de montagem, comuns na Europa. No Brasil, a montadora emprega 1.600 trabalhadores com contrato de trabalho temporário -1.000 em São Bernardo do Campo e 600 em Taubaté-, nenhum deles sob a condição referida pelo presidente mundial, de acordo com Senador.

Precisão é tudo: afinal, a VW vai demitir no Brasil ou não? A empresa emprega trabalhadores terceirizados no país ou não?

Os dois jornalões paulistas se limitaram a reproduzir o que sairia na Der Spiegel e a posição oficial da subsidiária brasileira. Nem assim chegaram a uma conclusão sobre o fato noticiado - o Estadão banca que a medida não afeta o Brasil, a Folha diz que haverá demissão dos temporários (e não terceirizados).

Não seria muito complicado fazer uma apuração mais completa, mesmo no sábado. Bastava ouvir sindicalistas ou trabalhadores da empresa para obter uma noção mais clara do que realmente vai acontecer. Os leitores agradeceriam, mas talvez isto signifique pedir demais. Porque, afinal, o sábado é sagrado...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...