O comentário abaixo foi publicado no blog do jornalista Marcelo Coelho, que além de ser colunista integra o Conselho Editorial da Folha de S. Paulo. Coelho revela que a resposta malcriada publicada no jornal a duas cartas sobre a polêmica da "ditabranda" foi mesmo redigida pelo Diretor de Redação do jornal, Otavio Frias Filho, o que de certa forma era mesmo de se esperar, pois o editor do Painel do Leitor não teria autonomia para chamar os professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides de mentirosos e cínicos. Coelho reconhece que a carta foi um desastre para a imagem da Folha, mas contemporiza: só faltou dizer que Otavinho estava "num dia ruim".
O jornalista também defende a Folha da acusação de "guinada editorial à direita" e, no trecho mais interessante do comentário, nomina os colunistas de direita e de esquerda do jornal. O leitor deste blog pode ler e pensar sobre os nomes. Dos que Marcelo Coelho citou, este blogueiro acha que apenas Marcos Nobre pode ser considerado um "esquerdista". O jornal tem outro, não citado por Coelho, o cômico José Simão, este um anarquista libertário e simpático aos valores da esquerda. Quanto aos demais, considerar a tucaninha Eliane, o ranzina Rossi e o inefável Gabeira como gente de esquerda, aí realmente já é forçar um pouco mão. Claro que perto de um Mainardi, Azevedo, Pondé, essa gente toda passa por perigosos comunistas. De perto, porém, são colunistas conservadores, do establishment.
A seguir, o comentário de Coelho na íntegra, para os leitores do Entrelinhas.
"Ditabranda"
Acho que “ditabranda” é com certeza um termo infeliz. Não há ditadura branda na ótica de um prisioneiro torturado, como o foram muitos no Brasil.
O termo, empregado num editorial da “Folha”, não deveria ter sido utilizado. Será que eu, no posto de diretor de redação, teria vetado o termo no texto? Talvez sim. Mas poderia ter dado pouca importância à palavra, uma vez que se inscrevia numa linha concreta de raciocínio.
O texto completo do editorial se dedicava a condenar a perpetuidade no poder de Hugo Chávez. Comparava os processos pelos quais de uma aparente democracia se passa a uma ditadura, como na Venezuela, com processos pelos quais a conquista de poder por meio de golpe militar terminou resultando em regimes não tão concentradores de poder como seria de supor.
O jogo entre “ditabranda” e sua contrapartida oculta, a “democradura”, estava implícito no editorial: com tudo para ser uma ditadura militar absoluta, o regime de 64 manteve as aparências de um espaço para o PMDB. Com tudo para ser um normalíssimo sistema democrático, o regime de Chávez reduz a oposição a menos do que uma aparência, afirmando-se orgulhosamente como uma democracia, enquanto acelera o personalismo providencial de uma figura tosca.
Eis que surgem mil protestos contra o uso do termo “ditabranda” no editorial. Foi um erro, não nego. Mas não há verdade nenhuma quando se diz que o editorial pretendia fazer a revisão histórica do regime de 64.
Há pelo menos 30 anos, a “Folha” reprova o autoritarismo. Teve, se não me falha a memória, papel importante na luta contra o regime militar. Se quisesse reabilitar aquele período, teria feito isso explicitamente. Obviamente, não teria nenhum interesse em fazê-lo, e não teria nenhuma razão se o fizesse.
O que me parece errado nos protestos contra o uso de “ditabranda” pela “Folha” é que se tomou um erro do editorialista como se fosse sinal de coisa que não existe.
Não existe vontade nem interesse da “Folha” em reabilitar a ditadura. Existe, por outro lado, muito interesse de parte dos críticos em defender Hugo Chávez.
Mais do que isso, os protestos contra a “ditabranda” expressam uma queixa mais antiga da esquerda: “A Folha ficou de direita!” A mera presença de César Maia entre os articulistas já pareceu, a parcela dos leitores, sinal de que a “Folha” cultiva cada vez mais os Coutinhos e Pondés. O grito de protesto da esquerda estava engasgado há tempos, e o apoio que obtive ao criticá-los, há algumas semanas, foi sinal disso.
Acontece que, se fizermos a conta, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé estão cercados de Clóvis Rossi, Fernando Barros e Silva, Eliane Cantanhede, Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Marcos Nobre, Fernando Gabeira, Janio de Freitas e este que vos fala, grupo insuspeito de afinidades com a direita. Há Oderbrecht e Delfim, além de Sarney, pesando no outro lado da balança. Será que desequilibrou em favor da direita? Culpa em parte minha, então. Trato de me regenerar nos próximos artigos.
Veio então a carta de Fábio Konder Comparato, dedo em riste contra a pessoa do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, chamando-o ao pelourinho em praça pública. O diretor de Redação reagiu chamando de cínica essa conclamação prosecutória. Konder Comparato excedeu-se, num gênero jacobino que contrasta com toda a retórica democrática em torno da liberdade de expressão. Tratava-se de defender Chávez, mais do que acreditar na tese de que a “Folha” teria passado a apoiar a ditadura. A resposta de Otavio a Comparato quis denunciar essa hipocrisia, essa indignação postiça, chamando-a de cínica.
O resultado, para a “Folha”, foi ruim em termos de imagem e de relações públicas. É óbvio que a “Folha” não passou a gostar das ditaduras ou das ditabrandas. É óbvio que não quer romper com a esquerda. A esquerda, entretanto, há tempos quer romper com a Folha, por bons ou maus motivos. Não sei o que ganha com isso. Sei o que quer preservar nessa atitude: sua adesão a Chávez, a Fidel Castro, ao MST.
Não sei qual ditadura, dentre as três, prefiro: com certeza, eis regimes diante dos quais haverá alternativas bem mais “brandas”. Não que 1964 esteja entre elas. Mas gostaria de saber por que razão, entre a Folha e a esquerda, existem tantos atritos em torno do termo “ditadura”. Será que não estamos de acordo quanto ao que significa “democracia”?
O jornalista também defende a Folha da acusação de "guinada editorial à direita" e, no trecho mais interessante do comentário, nomina os colunistas de direita e de esquerda do jornal. O leitor deste blog pode ler e pensar sobre os nomes. Dos que Marcelo Coelho citou, este blogueiro acha que apenas Marcos Nobre pode ser considerado um "esquerdista". O jornal tem outro, não citado por Coelho, o cômico José Simão, este um anarquista libertário e simpático aos valores da esquerda. Quanto aos demais, considerar a tucaninha Eliane, o ranzina Rossi e o inefável Gabeira como gente de esquerda, aí realmente já é forçar um pouco mão. Claro que perto de um Mainardi, Azevedo, Pondé, essa gente toda passa por perigosos comunistas. De perto, porém, são colunistas conservadores, do establishment.
A seguir, o comentário de Coelho na íntegra, para os leitores do Entrelinhas.
"Ditabranda"
Acho que “ditabranda” é com certeza um termo infeliz. Não há ditadura branda na ótica de um prisioneiro torturado, como o foram muitos no Brasil.
O termo, empregado num editorial da “Folha”, não deveria ter sido utilizado. Será que eu, no posto de diretor de redação, teria vetado o termo no texto? Talvez sim. Mas poderia ter dado pouca importância à palavra, uma vez que se inscrevia numa linha concreta de raciocínio.
O texto completo do editorial se dedicava a condenar a perpetuidade no poder de Hugo Chávez. Comparava os processos pelos quais de uma aparente democracia se passa a uma ditadura, como na Venezuela, com processos pelos quais a conquista de poder por meio de golpe militar terminou resultando em regimes não tão concentradores de poder como seria de supor.
O jogo entre “ditabranda” e sua contrapartida oculta, a “democradura”, estava implícito no editorial: com tudo para ser uma ditadura militar absoluta, o regime de 64 manteve as aparências de um espaço para o PMDB. Com tudo para ser um normalíssimo sistema democrático, o regime de Chávez reduz a oposição a menos do que uma aparência, afirmando-se orgulhosamente como uma democracia, enquanto acelera o personalismo providencial de uma figura tosca.
Eis que surgem mil protestos contra o uso do termo “ditabranda” no editorial. Foi um erro, não nego. Mas não há verdade nenhuma quando se diz que o editorial pretendia fazer a revisão histórica do regime de 64.
Há pelo menos 30 anos, a “Folha” reprova o autoritarismo. Teve, se não me falha a memória, papel importante na luta contra o regime militar. Se quisesse reabilitar aquele período, teria feito isso explicitamente. Obviamente, não teria nenhum interesse em fazê-lo, e não teria nenhuma razão se o fizesse.
O que me parece errado nos protestos contra o uso de “ditabranda” pela “Folha” é que se tomou um erro do editorialista como se fosse sinal de coisa que não existe.
Não existe vontade nem interesse da “Folha” em reabilitar a ditadura. Existe, por outro lado, muito interesse de parte dos críticos em defender Hugo Chávez.
Mais do que isso, os protestos contra a “ditabranda” expressam uma queixa mais antiga da esquerda: “A Folha ficou de direita!” A mera presença de César Maia entre os articulistas já pareceu, a parcela dos leitores, sinal de que a “Folha” cultiva cada vez mais os Coutinhos e Pondés. O grito de protesto da esquerda estava engasgado há tempos, e o apoio que obtive ao criticá-los, há algumas semanas, foi sinal disso.
Acontece que, se fizermos a conta, João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé estão cercados de Clóvis Rossi, Fernando Barros e Silva, Eliane Cantanhede, Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Marcos Nobre, Fernando Gabeira, Janio de Freitas e este que vos fala, grupo insuspeito de afinidades com a direita. Há Oderbrecht e Delfim, além de Sarney, pesando no outro lado da balança. Será que desequilibrou em favor da direita? Culpa em parte minha, então. Trato de me regenerar nos próximos artigos.
Veio então a carta de Fábio Konder Comparato, dedo em riste contra a pessoa do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, chamando-o ao pelourinho em praça pública. O diretor de Redação reagiu chamando de cínica essa conclamação prosecutória. Konder Comparato excedeu-se, num gênero jacobino que contrasta com toda a retórica democrática em torno da liberdade de expressão. Tratava-se de defender Chávez, mais do que acreditar na tese de que a “Folha” teria passado a apoiar a ditadura. A resposta de Otavio a Comparato quis denunciar essa hipocrisia, essa indignação postiça, chamando-a de cínica.
O resultado, para a “Folha”, foi ruim em termos de imagem e de relações públicas. É óbvio que a “Folha” não passou a gostar das ditaduras ou das ditabrandas. É óbvio que não quer romper com a esquerda. A esquerda, entretanto, há tempos quer romper com a Folha, por bons ou maus motivos. Não sei o que ganha com isso. Sei o que quer preservar nessa atitude: sua adesão a Chávez, a Fidel Castro, ao MST.
Não sei qual ditadura, dentre as três, prefiro: com certeza, eis regimes diante dos quais haverá alternativas bem mais “brandas”. Não que 1964 esteja entre elas. Mas gostaria de saber por que razão, entre a Folha e a esquerda, existem tantos atritos em torno do termo “ditadura”. Será que não estamos de acordo quanto ao que significa “democracia”?
Na Itália ha um termo ótimo para definir um artigo como este, chama-se de "PARACULISMO"... (parare il culo, proteger a bunda, mais ou menos)Alguém que não toma partido claramente, mas quer que acreditemos que o está tomando...que não quer encrenca com o patrão (puxa o saco quase às escondidas) mas não quer ter inimigos entre os colegas (mas, se puder, pula a fila). O Coelho é um "paraculo", de primeira.
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