O que vai a seguir é mais um artigo do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. Em primeira mão para os leitores do blog.
Em sua coluna desta semana (22/03), Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de São Paulo escreveu uma nota intitulada “Contradições econômicas”, em que comenta uma carta de leitor cobrando o critério do jornal para “estampar notícias sobre a crise econômica na primeira página”. O ombudsman confessa que não sabe qual é o critério e questiona a Folha por utilizar quase sempre números que trazem “as conclusões mais negativas”.
De fato, um dos campos do jornalismo onde é mais fácil manipular a boa fé do leitorado é justamente o econômico. É sempre possível dar um jeito de dizer que uma determinada variável diminuiu quando ela cresceu e vice-versa. Um bom exemplo pode ser verificado no modo como foi noticiado o Produto Interno Bruto brasileiro do quarto trimestre de 2008. Jornal algum destacou o crescimento de 1,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, mas a queda de 3,6% ocorrida quando a comparação é feita com o período imediatamente anterior – o terceiro trimestre. Um dia antes da divulgação do PIB, o portal UOL destacou, em manchete, a queda de 20% na produção de veículos em fevereiro em relação ao mesmo período do ano anterior. Se tivesse adotado o critério utilizado para noticiar a queda do PIB, teria que apontar o crescimento de 9% da produção de automóveis em relação ao mês de janeiro...
Confusões como a relatada acima estão cada vez mais frequentes na imprensa. Em geral, usa-se o número mais chamativo, quase sempre com a intenção de convencer a opinião pública sobre a enorme gravidade da crise no país. Sim, a economia tomou mesmo um enorme tombo a partir de outubro de 2008, no entanto é preciso analisar as coisas com frieza. Não há uma regra específica para todos os casos, mas normalmente comparações de índices econômicos são feitas tomando por base o mesmo período do ano anterior, a fim de eliminar as distorções oriundas da sazonalidade. Ninguém compara as vendas de janeiro no varejo com as de dezembro, o Natal distorceria a série, mas com as de janeiro do ano anterior.
A eclosão da crise financeira internacional em setembro do ano passado é um marco importante. No Brasil, os efeitos das turbulências começaram a ser sentidos em outubro. Assim, os índices econômicos do último trimestre de 2008 e do primeiro trimestre deste ano, se os problemas não continuarem a se agravar, apresentarão muitos “pontos fora da curva”, pelo menos da curva precedente. Se a mídia quer realmente explicar o que está acontecendo na economia real, deve analisar os dados com cuidado e raciocinar a partir dos números. Um exemplo simples: o setor automotivo sentiu o golpe da crise com muita rapidez, porque é altamente dependente de financiamento e no final do ano passado o crédito minguou. Com a isenção do IPI anunciada pelo governo federal, este setor esboçou uma recuperação e já está vendendo mais carros do que no trimestre final de 2008. Neste caso particular, portanto, a comparação com os meses anteriores é mais relevante para explicar o que está ocorrendo no setor do que a com o mesmo período do ano anterior, quando o país vivia um boom de crédito, com parcelamentos em até 96 vezes, e as vendas de automóveis bateram recordes históricos.
Passando na teoria para prática, neste caso particular, portanto, é possível afirmar que se o interesse da imprensa é informar o leitor, noticiar o aumento de 9% da produção em relação ao mês anterior parece mais lógico do que destacar a queda de 20% em relação a fevereiro, até porque esta informação é “velha” de pelo menos dois ou três meses, quando ocorreu efetivamente o tombo da indústria automobilística. Se o mote “notícia boa não vende” for adotado como critério, a queda de 20% é a que vai para a manchete. Ou ainda, se a intenção do veículo é fazer política e fustigar o governo, este também é o número mais apropriado para ganhar destaque na cobertura.
Se a crise começar a amainar já no próximo trimestre, os jornais terão um problema grande pela frente: os indicadores da atividade econômica do último trimestre de 2009 e primeiro trimestre de 2010, comparados aos dos mesmos períodos do ano anterior, serão amplamente favoráveis ao governo, porque a base de comparação será o momento do tombo provocado pela crise. Assim, o PIB do quarto trimestre deste ano comparado ao quarto trimestre de 2008 provavelmente será excepcionalmente positivo, o que ensejaria manchetes sobre a “superação” das turbulências no país. Este observador, porém, aposta que a grande imprensa saberá muito bem como advertir o distinto público para as “distorções” desses números...
Em sua coluna desta semana (22/03), Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de São Paulo escreveu uma nota intitulada “Contradições econômicas”, em que comenta uma carta de leitor cobrando o critério do jornal para “estampar notícias sobre a crise econômica na primeira página”. O ombudsman confessa que não sabe qual é o critério e questiona a Folha por utilizar quase sempre números que trazem “as conclusões mais negativas”.
De fato, um dos campos do jornalismo onde é mais fácil manipular a boa fé do leitorado é justamente o econômico. É sempre possível dar um jeito de dizer que uma determinada variável diminuiu quando ela cresceu e vice-versa. Um bom exemplo pode ser verificado no modo como foi noticiado o Produto Interno Bruto brasileiro do quarto trimestre de 2008. Jornal algum destacou o crescimento de 1,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, mas a queda de 3,6% ocorrida quando a comparação é feita com o período imediatamente anterior – o terceiro trimestre. Um dia antes da divulgação do PIB, o portal UOL destacou, em manchete, a queda de 20% na produção de veículos em fevereiro em relação ao mesmo período do ano anterior. Se tivesse adotado o critério utilizado para noticiar a queda do PIB, teria que apontar o crescimento de 9% da produção de automóveis em relação ao mês de janeiro...
Confusões como a relatada acima estão cada vez mais frequentes na imprensa. Em geral, usa-se o número mais chamativo, quase sempre com a intenção de convencer a opinião pública sobre a enorme gravidade da crise no país. Sim, a economia tomou mesmo um enorme tombo a partir de outubro de 2008, no entanto é preciso analisar as coisas com frieza. Não há uma regra específica para todos os casos, mas normalmente comparações de índices econômicos são feitas tomando por base o mesmo período do ano anterior, a fim de eliminar as distorções oriundas da sazonalidade. Ninguém compara as vendas de janeiro no varejo com as de dezembro, o Natal distorceria a série, mas com as de janeiro do ano anterior.
A eclosão da crise financeira internacional em setembro do ano passado é um marco importante. No Brasil, os efeitos das turbulências começaram a ser sentidos em outubro. Assim, os índices econômicos do último trimestre de 2008 e do primeiro trimestre deste ano, se os problemas não continuarem a se agravar, apresentarão muitos “pontos fora da curva”, pelo menos da curva precedente. Se a mídia quer realmente explicar o que está acontecendo na economia real, deve analisar os dados com cuidado e raciocinar a partir dos números. Um exemplo simples: o setor automotivo sentiu o golpe da crise com muita rapidez, porque é altamente dependente de financiamento e no final do ano passado o crédito minguou. Com a isenção do IPI anunciada pelo governo federal, este setor esboçou uma recuperação e já está vendendo mais carros do que no trimestre final de 2008. Neste caso particular, portanto, a comparação com os meses anteriores é mais relevante para explicar o que está ocorrendo no setor do que a com o mesmo período do ano anterior, quando o país vivia um boom de crédito, com parcelamentos em até 96 vezes, e as vendas de automóveis bateram recordes históricos.
Passando na teoria para prática, neste caso particular, portanto, é possível afirmar que se o interesse da imprensa é informar o leitor, noticiar o aumento de 9% da produção em relação ao mês anterior parece mais lógico do que destacar a queda de 20% em relação a fevereiro, até porque esta informação é “velha” de pelo menos dois ou três meses, quando ocorreu efetivamente o tombo da indústria automobilística. Se o mote “notícia boa não vende” for adotado como critério, a queda de 20% é a que vai para a manchete. Ou ainda, se a intenção do veículo é fazer política e fustigar o governo, este também é o número mais apropriado para ganhar destaque na cobertura.
Se a crise começar a amainar já no próximo trimestre, os jornais terão um problema grande pela frente: os indicadores da atividade econômica do último trimestre de 2009 e primeiro trimestre de 2010, comparados aos dos mesmos períodos do ano anterior, serão amplamente favoráveis ao governo, porque a base de comparação será o momento do tombo provocado pela crise. Assim, o PIB do quarto trimestre deste ano comparado ao quarto trimestre de 2008 provavelmente será excepcionalmente positivo, o que ensejaria manchetes sobre a “superação” das turbulências no país. Este observador, porém, aposta que a grande imprensa saberá muito bem como advertir o distinto público para as “distorções” desses números...
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