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Ou isto ou aquilo

O pessoal do DEM, do PSDB e seus amigos na grande imprensa precisam tomar uma decisão: ou bem a Operação Castelo de Areia foi uma "armação stalinista" do ministro Tarso Genro ou foi o oposto disto e o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos foi chamado pelo Palácio do Planalto (pelo presidente em pessoa, segundo O Estado de S. Paulo) para defender a construtora Camargo Corrêa. As duas coisas é que não podem ter acontecido ao mesmo tempo. Não faz sentido Lula chamar o melhor criminalista do país para defender os seus adversários democratas e tucanos da "ofensiva stalinista" de Genro... Portanto, ou a operação NÃO tem nada de "política" e tampouco alvos específicos, como querem os probos oposicionistas, podendo até atingir o PT – daí a suposta preocupação do presidente –, ou Lula NÃO chamou Márcio Thomaz Bastos para defender a Camargo Corrêa e a matéria do Estadão é uma grande cascata.

Sobre este mesmo assunto, aliás, vale a pena ler o comentário do jornalista Luiz Weis no blog Verbo Solto, que vai abaixo, na íntegra:

A falta que fazem os goleiros

O ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, desmente que passou a defender a Camargo Corrêa, investigada pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro e doações ilegais a políticos, “a pedido do Planalto”, como afirma O Estado de S.Paulo desta sexta-feira, 27.

“Tenho amigos pessoais lá dentro [da Camargo Corrêa] e eles que me procuraram. Nada de Planalto”, diz o criminalista.

Segundo o jornal, “o apelo ao advogado se deve ao temor do Planalto de que uma crise atinja colaboradores próximos. A empreiteira, oficialmente, é doadora também do PT.”

O desmentido é uma dessas coisas tão esperadas como uma empreiteira superfaturar obras, lavar dinheiro no exterior e fazer doações por fora a políticos que a ajudarão a fazer mais do mesmo no futuro.

Não é portanto o “nada de Planalto” de Thomaz Bastos que puxa o tapete da história do Estado. Ela tropeça em si mesma.

Não há na matéria de 209 palavras nenhuma que corrobore a informação. Ela até pode ser verdadeira, mas é mais uma daquelas inumeráveis na imprensa brasileira que pede ao leitor um voto de confiança sem fazer por merecê-lo.

O texto não tem uma aspa, mesmo sem identificação da fonte, que o ampare. Dá a entender que Lula pediu a Bastos para entrar na defesa da Camargo Corrêa. Na quarta-feira, quando estourou o escândalo, eles se encontraram em Brasília.

O ex-ministro não nega. “Estive com o presidente, mas só por cinco minutos, só para cumprimentá-lo no meio de uma reunião que ele estava tendo”, disse à Folha, repetindo o que dissera ao Estado.

O mais é ilação. Além do alegado “temor do Planalto” de que o caso atinja “colaboradores próximos” – do presidente, supõe-se –, a matéria se concentra nas relações do ex-ministro com o ex-chefe.

“Bastos continua atuando como conselheiro informal do presidente nas áreas política e judicial. Quando fala em nome de Lula, o ex-ministro o chama de ‘meu melhor cliente’.”

Uma coisa e outra são fatos sabidos. Lula poderia perfeitamente bem pedir ao advogado o que o jornal diz que pediu. As relações entre eles dão para tanto. Mas isso não comprova que pediu, comprova?

E tem ainda esse tal de “Planalto”, que aparece três vezes na matéria, sem contar o título. “Planalto” quer dizer o quê? Lula? Algum “colaborador direto” do presidente? O moço do cafezinho?

Vamos nos entender. Matérias meia-bomba como essa se encontram aos montes nos diários brasileiros, mas na maioria das vezes os seus assuntos são irrelevantes, ou pouco mais do que isso (o que não justifica a sua publicação). Agora se está diante de um texto apresentado com destaque, e não por um jornal qualquer, segundo o qual, descontados os eufemismos, o presidente da República teria mobilizado o ex-ministro da Justiça para dar uma força a uma empreiteira suspeita de abastecer o caixa 2 de políticos de sete partidos, em conluio com a Federação das Indústrias de São Paulo.

Ainda que os repórteres tenham a convicção de que foi isso que aconteceu, porque apuraram a história como manda o manual, o resultado não se segura. No tempo em que ainda havia goleiros nas redações, matérias nesses termos seriam devolvidas aos seus autores para que as colocassem em pé – e, enquanto não conseguissem, elas ficariam na geladeira.

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