Pular para o conteúdo principal

Ainda sobre Veja e Protógenes

O que vai abaixo é mais uma matéria do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. Em primeira mão para os leitores do blog.

Revista requentou matéria sobre delegado

O jornalista Fernando Rodrigues publicou em seu blog uma nota, reproduzida abaixo, em que revela uma fraude da revista Veja. Segundo ele, a reportagem do semanário da Editora Abril intitulada “Ele é um canhão à solta”, publicada na edição desta semana (2.104, com data de capa de 18/3/2009), se baseia em um depoimento do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz de setembro do ano passado, e que foi objeto de reportagem da Folha de S.Paulo no dia 1° de outubro de 2008. Em outras palavras, Veja teria requentado notícia velha para manter os holofotes sobre Protógenes.

A reportagem, assinada por Expedito Filho, repete a mesma fórmula analisada aqui na semana passada. Está lá no início do segundo parágrafo:

“O depoimento de Protógenes Queiroz à Procuradoria-Geral da República, ao qual VEJA teve acesso, traz uma segunda revelação incômoda. O delegado afirma que a atuação dos mais de oitenta espiões da Abin no caso era do conhecimento do juiz federal Fausto de Sanctis e do procurador da República Rodrigo de Grandis.”

Ora, se Veja “teve acesso” ao depoimento de Protógenes, de duas uma: ou a revista não acompanha o que aparece nos demais veículos de comunicação sobre o caso, já que pelo menos a Folha “teve acesso” ao mesmíssimo depoimento cinco meses antes, ou o tal “acesso” foi, digamos assim, diferenciado. Neste caso, alguma novidade deveria ter sido incluída na reportagem do semanário da Abril, mas o leitor que tiver a paciência de chegar ao final da matéria não encontrará nada diferente do que já foi publicado na Folha.

Gato por lebre
A rigor, não há nada de reprovável no fato de a revista ter “suitado”, como se diz no jargão da profissão, o episódio envolvendo o delegado Protógenes. Na semana anterior, Veja havia dado capa para o caso e era natural que a revista apresentasse uma nova reportagem para manter o assunto em evidência. Havia um gancho “natural” – a prorrogação da CPI dos Grampos – que a revista até cita, meio en passant, nesta semana:

“Prorrogada por mais sessenta dias, a CPI dos Grampos é o foro próprio para que essas perguntas sejam feitas e respondidas. A comissão quase encerrou seus trabalhos de maneira melancólica há duas semanas. Isso só não ocorreu porque veio à luz parte do conteúdo dos arquivos de computador de Protógenes Queiroz apreendidos pela corregedoria da Polícia Federal. Publicado por VEJA, o material demonstrou que a equipe do delegado espionou ministros do governo, entre eles a poderosa Dilma Rousseff e Mangabeira Unger, senadores, juízes, jornalistas e advogados”, escreve Expedito Filho.

Nenhum problema, portanto, se a revista tivesse montado a matéria a partir deste gancho. Coisa muito feia, porém, é usar informações que já foram publicadas em outros veículos e apresentá-las como fruto de apuração exclusiva ou um furo de reportagem. Não era o caso e Veja passou mais um recibo de que sua pauta passa por evidentes critérios políticos. Para manter Protógenes nas cordas, por exemplo, a revista faz qualquer coisa, inclusive vender gato por lebre. O que no fundo só ajuda o delegado a rebater as acusações que lhe são imputadas com a alegação de que Veja não é um veículo informativo, mas um panfleto ideológico.

A seguir, a nota do blog de Fernando Rodrigues sobre o caso.

Protógenes e a recorrente versão sobre quem mandou
A propósito da reportagem de Veja deste fim de semana (aqui, para assinantes). A revista publicou:
“O delegado Protógenes Queiroz disse ao Ministério Público que a Operação Satiagraha foi uma missão “determinada pela Presidência da República” e que o juiz e o procurador do caso sabiam da participação da ABIN.”
Trata-se de referência a um depoimento do delegado da PF em setembro do ano passado ao Ministério Público Federal.
Em sua edição de 1º de outubro de 2008, há pouco mais de cinco meses, a primeira página da Folha de S.Paulo (aqui, para assinantes) trazia uma chamada para uma reportagem cujo teor era o seguinte:
Planalto mandou investigar Dantas, afirma Protógenes
Delegado afastado da Operação Satiagraha depôs ao Ministério Público Federal
Segundo ele, determinação da Presidência teria sido dada a Paulo Lacerda; o ex-diretor-geral da PF nega ter recebido tal ordem
Alan Gripp, da sucursal de Brasília
A investigação que culminou na Operação Satiagraha foi aberta por determinação da Presidência da República ao então diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, afirmou o delegado Protógenes Queiroz, responsável pelo inquérito, em depoimento ao Ministério Público Federal.
De acordo com Protógenes, que chefiou os trabalhos até julho deste ano, quando foi afastado por suspeitas de irregularidades na condução do caso, o ponto de partida da investigação foram informes repassados ao Planalto pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Protógenes não revelou o nome de quem teria dado a ordem.

Comentários

  1. Estou meio por fora desse assunto mas gostaria de saber qual realmente é o problema da Policia Federal espionar os políticos através de grampos telefônicos. Será que alguém poderia me ajudar a entender isso?
    Acho que pior do a espionagem ,em que, a prova do fato é quase incontestável quando se ouve uma conversa é o fato da grande imprensa estar sempre repassando acontecimentos de coisas que partes interessadas é que estariam relatando, com certo interesse é claro...sei lá se fui claro....

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe