Pular para o conteúdo principal

Martins Costa: o mensalão da oposição

Ainda sobre a Operação Castelo de Areia, vale a pena ler o que disse o jornalista Luciano Martins Costa no programa desta manhã do Observatório da Imprensa. O comentário vai reproduzido abaixo, na íntegra para os leitores do Entrelinhas.

PESOS & MEDIDAS
A imprensa diante dos escândalos


Por Luciano Martins Costa, comentário para o programa radiofônico do OI, 26/3/2009

O escândalo provocado pela prisão de executivos da empreiteira Camargo Corrêa, com a revelação de operações financeiras irregulares envolvendo partidos políticos da oposição ao governo federal, é uma excelente oportunidade para testar a idoneidade da imprensa brasileira.

Se for verdadeira metade das acusações que foram publicadas, estamos diante de um repeteco do chamado "mensalão", desta vez no lado oposto do espectro político-partidário.

Vamos ver como a imprensa se comporta.

Como os leitores se recordam, todo o ano de 2005 foi dominado pela agenda do caso que acabou derrubando o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e outros dirigentes do Partido dos Trabalhadores. O ponto de partida do escândalo chamado de "mensalão" era o uso de caixa 2 – recursos financeiros não contabilizados, no linguajar adotado pela defesa dos acusados. O ponto de partida do caso atual, que a Polícia Federal batizou de Operação "Castelo de Areia", é o mesmo: doações de empresa a partidos políticos, em troca de favorecimentos em futuras obras e contratos públicos, tudo armado em torno de licitações fraudadas.

Régua e compasso

Por enquanto, a imprensa parece tão perplexa quanto a diretoria da Camargo Corrêa. O material publicado nos jornais de quinta-feira indica que as edições foram atropeladas pelo peso do noticiário, que envolve sete partidos, uma das maiores empreiteiras do país e a Federação das Indústrias no Estado de São Paulo, a Fiesp, além de doleiros e altos funcionários de um banco suíço.

Nenhum jornal conseguiu acrescentar dados relevantes ao que foi revelado pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República, mesmo porque as diligências policiais se encerraram às 19h45 de quarta-feira (25/3), horário em que a maioria das redações começa o fechamento da edição do dia seguinte.

Portanto, os leitores ainda não têm condições de avaliar se a imprensa irá demonstrar, no atual escândalo, o mesmo apetite que revelou na divulgação do caso que manteve o governo federal sitiado durante praticamente o ano inteiro, em 2005.

Os próximos dias dirão se a imprensa usa o mesmo peso e a mesma medida para as delinquências da política.

Agenda comprometida

Na inauguração do novo escândalo, uma tendência fica muito clara: todos os partidos acusados de envolvimento em irregularidades apontadas pela Polícia Federal, envolvendo a Camargo Corrêa e doleiros, tiveram amplo espaço para suas defesas nas páginas dos jornais de quinta-feira (26).

O Globo, por exemplo, foi muito cioso em garantir a versão dos acusados, como convém ao bom jornalismo. Mas esse não tem sido o comportamento padrão da nossa imprensa em ocasiões anteriores. O leitor pode fazer por si mesmo as comparações com a cobertura de outros escândalos, como o caso que quase custou o mandato ao senador Renan Calheiros. Naquela ocasião, os jornais praticamente não deixaram espaço para a defesa do acusado.

Também é interessante observar como a imprensa vai tratar o juiz Fausto Martin de Sanctis, que acatou o inquérito da Polícia Federal e da Procuradoria da República e expediu dez mandados de prisão e quase vinte mandados de busca no caso atual. Trata-de do mesmo juiz que mandou prender o banqueiro Daniel Dantas na chamada "Operação Satiagraha", e que entrou em confronto com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que concedeu dois habeas corpus seguidos ao banqueiro.

Chuva de lama

Lembre-se o leitor que, no caso Satiagraha, a imprensa claramente demonizou o juiz, colocando-o sob a mesma suspeita de abuso que tem sido lançada contra o delegado que presidiu o inquérito, Protógenes Queiroz. Portanto, para fazer um bom juízo, convém ficar de olho na forma como a imprensa irá noticiar o mais novo escândalo nos próximos dias.

Uma coisa é certa: o caso promete contaminar tudo que se relacione com política no Brasil. A revelação de que praticamente todos os partidos se valem de financiamentos irregulares, se confirmada, seria uma excelente oportunidade para a imprensa abrir uma campanha pela reforma da legislação eleitoral.

Num período em que a abertura dos trabalhos legislativos revela uma sucessão de falcatruas no Congresso Nacional, e quando o lançamento antecipado das candidaturas à Presidência da República ameaça aprisionar o noticiário político numa agenda que caberia melhor no noticiário policial, a previsão do tempo só pode ser uma: muita chuva de lama até o fim de 2010.

Comentários

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...