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Torres Freire e o besteirol da crise

Vinicius Torres Freire é um dos colunistas da Folha de S. Paulo que o autor deste blog respeita e lê sempre com atenção, ainda que discordando de muita coisa que ele escreve. Muito antes do "subprime" explodir, o jornalista vaticinava em sua coluna o que vinha pela frente. Ok, muitos dirão que a crise era bola cantada, mas não se leu nas mal traçadas dos Sardembergs e Leitoas da vida nenhuma referência, por mínima que fosse, à crise americana com a mesma antecedência dos lúcidos textos de VTF. Em seu blog, hoje, Vinicius postou o comentário reproduzido abaixo, cujo parágrafo final está um primor, especialmente na referência a uma certa revista. Este blog até acha que o crescimento da indústria e outros indicadores são, sim, um alento, mas não dá para não atentar aos bons argumentos do jornalista da Folha. A seguir, a íntegra do post, para os leitores do Entrelinhas.

Besteirol do dia, indústria de SP na lona

“Boas notícias, hoje”, diz animado o comentarista econômico de rádio. Fala da indústria paulista, mas em rede nacional. “Cres-ceu seeeeeis por cento em janeiro!”. Diz em seguida, como em nota ao pé de página, que a indústria paulista piorou muito, porém, quase 16% em relação a janeiro de 2008 (trata-se do índice de atividade da indústria paulista, medido pela Fiesp, o INA). A indústria “cres-ceu” apenas em relação ao desastroso dezembro (que foi ainda pior do que se imaginava _a Fiesp revisou os seus dados ). De resto, as vendas reais caíram, as horas trabalhadas também.

Alardear que a indústria “cres-ceu” é mais ou menos como dizer a alguém que se afoga: “anime-se, você não vai morrer no fundo do mar, mas dois metros acima!”.

Logo depois, vem a comentarista, para quem Barack Obama está mesmo promovendo mudanças pois, “pela primeira vez, desde Reagan”, um presidente não repete o orçamento do antecessor. Claro. A política de impostos e os saldos fiscais de Reagan, Bush pai e Clinton foram a cara de um, focinho de outro.

São dois daqueles comentaristas para quem o Brasil apenas “resiste” à crise por causa dos feitos do governo de FHC, mas sempre “corre o risco” de desastre por causa do governo Lula, tal como aquela revista que é o farol da inteligência da brilhante classe média brasileira. “Oh, quanto riso, oh, quanta besteira, mais de mil lará lará lará lá...”

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