Pular para o conteúdo principal

Ombusdman esculacha Redação da Folha

Abaixo, mais um artigo do autor do blog para o Observatório da Imprensa.

CASO FOLHA-DILMA
Curto e grosso

Por Luiz Antonio Magalhães em 5/5/2009

O ombudsman da Folha de S.Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, pegou pesado, muito pesado, em um dos textos de sua coluna do último domingo (3/5). Não era o texto principal e foram apenas 231 palavras – reproduzidas abaixo –, mas o conteúdo é demolidor.

Carlos Eduardo comenta o caso da publicação de uma ficha falsa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, contendo uma série de crimes que teriam sido cometidos por ela durante o regime militar. A suposta ficha – uma montagem que circula em sites direitistas na internet – foi publicada na primeira página do jornal sem checagem alguma se sua veracidade.

Na semana anterior, o ombudsman já havia comentado o episódio em uma nota também pequena, mas sem o teor da que saiu no domingo. Agora, parece ter compreendido a gravidade dos fatos e em poucas palavras coloca o dedo na ferida:

"O `Manual´ [de Redação da Folha] prevê que o jornal identifique a fonte que lhe passe informação errada, o que não se fez neste caso (...) a Redação me disse que nenhum jornalista envolvido na produção e edição da reportagem original sabia da ficha falsa na internet, o que revela incrível desinformação de jornalistas especializados. O pior é a Redação dizer que encerrou a apuração desse episódio seriíssimo e não acha necessário rever procedimentos de checagem de informações", escreveu Carlos Eduardo.

O tamanho da lambança

Até aqui, trata-se de uma reprimenda dura, mas não inédita. Outros ouvidores também tiveram a oportunidade de cobrar a Redação desta mesma maneira. Inédito mesmo é o que está escrito no último parágrafo do texto:

"No caso Memogate, que citei domingo passado, a rede de TV CBS constituiu comissão independente para apurar o que houve. Seu relatório foi divulgado publicamente e dele resultaram ampla revisão de procedimentos internos da Redação, a demissão de uma produtora e um pedido de desculpas da emissora à audiência. Sugiro à Folha fazer algo similar."

Este observador acompanha as colunas dos ouvidores da Folha desde 1989, quando Caio Túlio Costa estreou na função, e não se recorda de nenhum comentário tão incisivo quanto este de Carlos Eduardo Lins da Silva. Noves fora zero, o ombudsman recomendou que o jornal mande alguém "independente" investigar o que aconteceu na apuração da matéria e puna, com demissão, se for o caso, os responsáveis pela lambança. Além disto, ele sugere que a Folha peça desculpas aos leitores, coisa que o jornal já se revelou incapaz de fazer ao publicar uma reportagem "explicando" que "não é possível provar a autenticidade" da ficha de Dilma. Dizer que se trata de "tucanês", como gosta de escrever o colunista-humorista da casa, José Simão, é muito pouco: o que a Folha fez foi uma verdadeira operação jornalística para esconder a lambança praticada com a ministra.

Tudo somado, a atuação de Carlos Eduardo Lins da Silva reforça a idéia de que a instituição do ombudsman pode ajudar, sim, a melhorar o nível do jornalismo praticado no país. Pode até ser que a Redação da Folha ignore todas as recomendações de Carlos Eduardo, mas pelo menos não o fará sem que os leitores do próprio jornal tomem conhecimento do que o ouvidor pensa. E isto é um grande avanço.

***

Até ver se a ficha cai

Carlos Eduardo Lins da Silva, Folha de S.Paulo, 3/5/2009

Recebi 77 mensagens de 55 leitores sobre a reportagem em que a Folha reconhece erros por publicar suposta ficha de Dilma Rousseff do tempo da ditadura. Nenhum se satisfez com as explicações. Nem eu.

Fiz perguntas à Redação para tentar esclarecer o caso. As respostas não o elucidam.
A reportagem original saiu na primeira página; a correção também deveria ter saído na capa do jornal.

O "Manual" prevê que o jornal identifique a fonte que lhe passe informação errada, o que não se fez neste caso.

Alertado por leitor no dia da reportagem original de que ficha fraudulenta circulava na internet, o ombudsman pediu para a Redação apurar e ficou sem resposta até o dia 21.
Na sexta, a Redação me disse que nenhum jornalista envolvido na produção e edição da reportagem original sabia da ficha falsa na internet, o que revela incrível desinformação de jornalistas especializados.

O pior é a Redação dizer que encerrou a apuração desse episódio seriíssimo e não acha necessário rever procedimentos de checagem de informações.

No caso Memogate, que citei domingo passado, a rede de TV CBS constituiu comissão independente para apurar o que houve. Seu relatório foi divulgado publicamente e dele resultaram ampla revisão de procedimentos internos da Redação, a demissão de uma produtora e um pedido de desculpas da emissora à audiência. Sugiro à Folha fazer algo similar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...