Pular para o conteúdo principal

Empresários têm mais medo de Serra?

Abaixo, um bom artigo de Vinícius Torres Freire, publicado nesta terça-feira na Folha de S. Paulo. Os leitores fiéis deste blog sabem que Vinícius é um dos poucos colunistas da Folha que merecem ser lidos. Mesmo quando a opinião é divergente, os argumentos são muito bons. É o caso do artigo abaixo.

A economia de Serra e de Dilma

Governador paulista evita falar sobre economia para não arrumar problemas com Lula e o PSDB, mas dá algumas pistas

DILMA ROUSSEFF chega ao segundo turno em 2010 e deixa os “mercados nervosos”. Por quê? Porque a candidata de Lula e do PT corre o risco de perder para José Serra (PSDB). Lula e o PT se travestiram de tal modo nos últimos sete anos que a piada faz sentido, embora a banca e grandes empresários prefiram, de coração, Antonio Palocci a Dilma ou a Serra. O primeiro ministro da Fazenda de Lula ninguém esquece, não importam seus rolos. Palocci tirou a economia petista-lulista do armário. Ainda inspira suspiros poéticos e saudades em grandes empresários, que preferem “alguém de conversa mais mansa”.

A fama de Dilma e de Serra os precede. Teriam ideias próprias demais, seriam arrogantes e, diz a lenda, tentariam colocar Banco Central, setor privado etc. numa linha dura. Mas o que pensa Serra?

Serra está na “oposição” à política econômica desde quando ministro do Planejamento de FHC (ou melhor, desde sempre), pois crítico da política do real forte “cum” déficits (externo e fiscal) que causou o colapso de 1999. Fala vez e outra sobre economia, “como economista”. Instado a falar sobre alternativas, cala-se. Não quer esquentar a disputa no PSDB nem ter problemas com Lula.

Ontem, Serra foi a um encontro de economistas promovido pela revista “Exame”. Disse que o BC errou ao elevar os juros quando a crise já corria solta e ao cortá-los tardia e vagarosamente. Não havia risco de inflação, pois mesmo a grande e “positiva” desvalorização do real não afetou preços. No texto de sua exposição, Serra entra em mais detalhes.

Acredita que a política monetária teria o mesmo efeito com juro mais baixo (importantes seriam as variações a partir desse patamar). Mesmo com o zunzum global do “pior já passou”, o BC deve cortar juros e comprar dólares. “O ideal” teria sido o BC cortar a Selic de três a quatro pontos percentuais no auge da crise. A queda brusca de juros não teria então causado mais fuga de capital, que “decorria de motivos outros que não o diferencial de juros”.

A “timidez” do BC ajuda a provocar nova valorização excessiva do real (”ajuda”, pois várias moedas emergentes sobem), dado o “absurdo” diferencial de juros entre Brasil e resto do mundo, o que prejudicará de novo a exportação de manufaturas. Serra acha “absurdo” que o país tenha tido déficit externo mesmo com a grande alta das commodities, quase 60% das nossas exportações.

Serra elogia Lula nas reduções de impostos sobre bens duráveis; elogia o papel do BNDES na reestruturação de grupos industriais afetados pela ciranda cambial. Diz que o BC acertou ao emprestar dólares para empresas, que ficaram sem crédito externo na crise. Mas critica o baixo investimento público e gastos com servidores, que vão ter “impactos substanciais” até os primeiros dois anos do próximo governo federal.

Para o governador, o baixo grau de abertura econômica e a baixa das dívidas externa e pública protegeram o país do tumulto global, assim como o peso dos bancos estatais (um terço do crédito), o baixo endividamento das empresas e as transferências de renda para os mais pobres (Bolsa Família, outros benefícios assistenciais, INSS etc.). Nem de longe é um programa. Mas é uma pista. Parecida com a de Dilma.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And