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Economist: mídia no meio da tempestade

Texto longo, mas muito interessante. Publicado originalmente no Observatório da Imprensa. Para quem se interessa por mídia, leitura obrigatória.

O NEGÓCIO DA NOTÍCIA
No meio da tempestade

Por The Economist em 28/5/2009; tradução de Jô Amado

Talvez o indício mais certo de que os jornais estão à beira do abismo seja o fato de que os políticos, por tantas vezes seus alvos, estejam começando a sentir pena deles. No dia 9 de maio, Barack Obama terminou um discurso, que até teve algo de cômico, com uma defesa sincera de empresas sob ataque. Comissões da Câmara dos Representantes e do Senado realizaram audiências sobre o assunto no mês passado. O senador John Kerry, de Massachusetts, chamou os jornais de "espécie em risco de extinção".
E é verdade. Segundo a American Society of News Editors, o emprego nas redações caiu 15% nos dois últimos anos. Paul Zwillenberg, da OC&C, uma empresa de consultoria, avalia que quase 70 jornais locais britânicos fecharam desde o início de 2008. O Independent e o Evening Standard, de Londres, dependem da generosidade de investidores estrangeiros. O arrocho não se restringe aos países anglófonos: os jornais franceses só evitaram destino semelhante garantindo um aumento em seus já pesados subsídios governamentais.
Os noticiários das emissoras de televisão também estão se debatendo. As audiências se romperam e se desgastaram: a parcela de norte-americanos que assiste ao noticiário do final da tarde nas "três grandes" redes (ABC, CBS e NBC) caiu de cerca de 30%, no início da década de 1990, para cerca de 16%. Os equipamentos para noticiários locais ficam caros, à medida que os revendedores de carros e as lojas enxugam seus anúncios. A ITV, maior emissora comercial britânica, está apelando para ser desobrigada de produzir noticiários locais.

Descoberta alarmante

Tudo isso provocou muita angústia. No entanto, as dificuldades enfrentadas pelas empresas jornalísticas não prevêem o fim das notícias. À medida que amplos setores da indústria murcham, brotam novos botões. O resultado é uma empresa menor e menos lucrativa, mas também mais eficiente e inovadora.
O quadro mais nítido de como o consumo de notícias está mudando vem de pesquisas feitas pelo Pew Research Centre. Desde 1994, o percentual de norte-americanos que diz que ouviu o noticiário pelo rádio na véspera caiu de 47% para 35%; entre os que lêem jornais, caiu 58% para 34%. Nesse mesmo período, as audiências de TV a cabo e da internet aumentaram. Em 2008, pela primeira vez, mais pessoas disseram que acompanhavam notícias internacionais e nacionais pela internet do que pelos jornais.
Não se trata apenas da pessoa trocar um tipo de mídia por outro. Quase todo mundo que obtém notícias via internet, normalmente também as vê na televisão ou lê num jornal. Apenas 5% dos norte-americanos têm o hábito de acessar notícias somente na internet. A tecnologia permitiu que pessoas bem informadas ficassem ainda mais bem informadas, mas não ampliou a audiência por notícias. A descoberta mais alarmante do Pew Centre – pelo menos, para quem é do ramo – é de que o percentual de jovens entre 18 e 24 anos que não acessaram notícia alguma na véspera subiu de 25% para 34% nos últimos dez anos.

Google News não tem editor

Aqueles que realmente procuram, obtêm notícias de outra maneira. Ao invés de se submeterem laboriosamente a um jornal matutino ou a um telejornal da noite, cada vez mais procuram o tipo de informação que querem, quando querem. Poucos pagam. Robert Thomson, editor-chefe do Wall Street Journal, diz que muitos deles acessam o noticiário online como se fosse "um restaurante de comida a quilo".
A principal vítima dessa tendência não é tanto o jornal (embora esteja em evidente declínio), mas o pacote de notícias convencional. Veja qualquer jornal metropolitano importante, ou acesse sua página na internet, e encontrará as mesmas coisas. Haverá uma mistura de notícias locais, nacionais, internacionais, de economia e esportivas. Haverá a previsão do tempo. Haverá anúncios maiores e classificados. Haverá cartas de leitores e, provavelmente, uma palavra cruzada.
Esse pacote, que foi primeiramente imitado pelas emissoras e, em seguida, pelos pioneiros da internet, como AOL.com ou MSN.com, funciona como um centro comercial antiquado. Oferece uma razoável seleção de informações úteis, de qualidade confiável, num único lugar. E o destino do pacote de notícias é semelhante ao daquele centro comercial. Alguns clientes foram atraídos pelos descontos; outros procuraram as butiques.
Os grandes shopping centres do mundo da mídia são portais virtuais como o Yahoo! ou o Google, que reúnem dezenas de milhares de matérias. Alguns deles, como a Reuters e a Associated Press, exigem registro. Mas a maioria consiste apenas de um título, uma frase e um link com o site de um jornal ou de uma emissora de televisão onde a matéria pode ser lida na íntegra. Os agregadores ganham dinheiro afunilando os leitores na direção dos anúncios, que podem ser talhados de acordo com seus supostos interesses. E são fáceis de operar: o Google News nem sequer tem um editor.

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