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Sobre o jornalismo político

Mais um artigo do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. Na íntegra, para os leitores do blog.

    COBERTURA POLÍTICA
    Fatos, versões e as negativas das fontes

    Por Luiz Antonio Magalhães em 26/5/2009

    Não é nada fácil fazer jornalismo político. Muita informação apurada não pode ser publicada porque as fontes não autorizam. Às vezes, porém, o repórter tem tanta certeza de que conseguiu um furo de reportagem que publica o que apurou, mesmo se suas fontes não avalizem a publicação da história.

    Há algumas semanas, o jornalista Kennedy Alencar, da Folha de S.Paulo, revelou ao país que os governadores tucanos Aécio Neves e José Serra tinham se acertado. Aécio teria assentido em ser o candidato a vice-presidente na chapa a ser encabeçada por Serra em 2010.

    A revelação caiu como uma bomba nos bastidores políticos, especialmente no PSDB. Os principais líderes do partido vieram a público para informar que a notícia de Kennedy não procedia. Aécio chegou a dizer que se tratava de uma piada. Serra negou, o ex-presidente Fernando Henrique, citado por Kennedy como o articulador do pacto entre os grão-tucanos, desmentiu tudo.


    Na sexta-feira (22/5), em sua coluna na Folha Online, Kennedy voltou ao assunto no final do texto. Tentou esclarecer o que aconteceu, mas a emenda parece ter ficado pior que o soneto. Escreve Kennedy:

    Jogo tucano
    É natural que o governador de Minas, Aécio Neves, tenha ficado chateado com a revelação de que ele fez acordo com o colega de São Paulo, José Serra. Aécio aceitou ser vice de Serra, condicionando isso a uma saída honrosa. A intenção era anunciar o acordo em agosto ou setembro, enquanto a ministra Dilma ainda deverá estar em recuperação, a fim de acelerar uma ofensiva para fazer alianças com o PMDB nos Estados.

    A repercussão da divulgação do acordo gerou atrito no PSDB. Aécio se sentiu traído por seus colegas de partido. Ele precisa de tempo para construir um discurso de saída no qual leve vantagem: popularizar o seu nome pelo país, pois ainda tem alta taxa de desconhecimento para quem deseja disputar a Presidência.


    A divulgação da notícia afetou esse cronograma, que, talvez, precise ser alterado e leve o mineiro a exigir uma prévia mais restrita, no começo de 2010, a fim de dar caráter natural a uma união que formaria uma chapa bastante competitiva.


    Versão conveniente
    Do jeito que escreveu o repórter da Folha – dos mais bem informados e competentes do país, diga-se de passagem –, fazer jornalismo político é mais fácil do que parece. Se a informação publicada é contestada pelos protagonistas e/ou personagens diretamente interessados na notícia, basta depois explicar aos leitores que justamente a reportagem publicada foi capaz de modificar todo o cenário que estava estabelecido e provocou um novo rumo para os acontecimentos.

    Doravante é possível escrever que Lula já trabalha com a idéia de lançar Antonio Palocci à presidência da República e depois avisar que a má repercussão da notícia publicada levou o presidente a abandonar esse propósito. Ou que Serra estuda fazer implante capilar, mas acabou deixando o embelezamento de lado ao perceber o ridículo de tal operação quando o seu segredo vazou para a mídia.


    É óbvio que muita notícia publicada em jornais e revistas têm força para mudar o curso dos acontecimentos. Também é fato que políticos, especialmente eles, muitas vezes se fazem valer do artifício de "plantar" uma notícia para conseguir um determinado objetivo, ainda que seja perceber a reação do público à plantação.

    O caso da reportagem de Kennedy pode tanto ser uma plantação (de Aécio ou Serra ou ainda de petistas interessados em jogar pó de mico na seara tucana), um furo de reportagem que provocou mesmo o recuo do governador mineiro ou pura e simplesmente uma "barriga", como se diz no jargão da profissão.

    O melhor que pode acontecer para o repórter é o acordo por ele anunciado com tanta pompa ser realmente selado no futuro. Neste caso, o seu furo será reconhecido e valorizado. Se isto não acontecer, porém, três coisas podem ter acontecido: ou a matéria realmente teve o poder de mudar a estratégia do governador mineiro; foi plantada por algum dos interessados; ou, por fim, não passou de boato soprado por alguma fonte que gozava da confiança do repórter, porque obviamente um profissional do gabarito de Kennedy Alencar jamais inventaria tal notícia.

    É claro que no caso da aliança Serra-Aécio não se concretizar, o repórter vai reiterar a versão da notícia-que-abalou-a-aliança. É o que melhor lhe convirá. Não parece coisa muito crível, mas também não dá para simplesmente duvidar da palavra do repórter. Coisas do jornalismo...

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