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Iglecias: a política do café-com-leite

Em mais uma colaboração para o Entrelinhas, Wagner Iglecias, professor de ciência política da USP Leste, analisa o cenário pré-eleitoral com a formação de uma chapa pura no PSDB. Na íntegra, para os leitores do blog.

Após semanas de escândalos envolvendo o Congresso Nacional e a refrega protagonizada por dois ministros da Suprema Corte, o noticiário político do final de semana mudou um pouco de tom. Anunciou-se o fechamento de um possível acordo entre os governadores José Serra e Aécio Neves para a formação de uma chapa puro-sangue, com tucano na cabeça e tucano na vice, para concorrer à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Não deixa de ser curioso o fato de São Paulo e Minas Gerais, após tanto tempo, cogitarem a possibilidade de reeditar as dobradinhas da República Velha, de um século atrás ou quase, para disputar o poder central. Era a chamada época da política do café com leite. Muito tempo se passou desde então, o Brasil deixou de ser uma grande fazenda e nem São Paulo nem Minas Gerais têm mais, no café e no leite, respectivamente, suas principais riquezas.

Mas de café-com-leite a chapa tucana, com Serra e Aécio, não teria nada. Governadores dos dois maiores colégios eleitorais do país, bem avaliados por seus respectivos eleitorados, formariam uma chapa fortíssima para a disputa da presidência da república. Disto não há dúvida. Mas o que é estranho nessa história toda é a justificativa que alguns analistas têm dado para a eventual composição: a incerteza que tomou o quadro sucessório após o anúncio da doença de Dilma Roussef, provável candidata pelo campo governista.

Ora, se Dilma torna-se, em
um dado momento, uma peça já não tão certa no tabuleiro, o mais lógico seria mais gente se imaginar com chances de postular o Planalto, tanto no arco lulista de forças políticas quanto na oposição. Com Dilma eventualmente fora, e Lula sem um candidato tão forte, mais natural seria que Aécio Neves, a noiva cobiçada da política brasileira que muitos vêem com possibilidades muito frutuosas tanto no PSDB quanto fora dele e perto de Lula, não se deixasse atrair pela idéia da chapa puro sangue. Ou não? Ou o cálculo é bem outro, caso o governo não consiga apresentar um candidato eleitoralmente denso os tucanos imaginam que unidos têm boas chances de liquidar a fatura já em primeiro turno? Será?

Resta saber ainda o que será, num cenário de uma eventual chapa Serra/Aécio, do DEM e do PMDB. O DEM, embora meio que se estranhando com os tucanos nos últimos tempos, não tem lá muita escolha. Sem um bom candidato à presidência, deverá cumprir mais uma vez seu destino, traçado desde o tempo em que se chamava PFL, e gravitar na órbita do tucanato. Já o PMDB, numa conjuntura dessas, poderá ser ainda mais paparicado por Lula, numa aliança com o PT. Ou será que não teria outra escolha que não compor com o candidato do governo? Até porque ficaria dificil acomodar tanta gente do lado oposicionista sem a vaga de vice para ser oferecida. Ou dá pra imaginar que haveria espaço suficiente na coalizão oposicionista para uma grande aliança entre tucanos, demos e o PMDB, ou os tantos PMDBs que existem Brasil afora? Se for isso, o que é improvável, só mesmo o Lula velho de guerra do outro lado do ringue.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Gestão de Políticas Públicas da USP

Comentários

  1. Ainda estou digerindo a informação, correta ou equivocada, sobre uma chapa puro sangue tucano. Sinceramente acho pouco provável Aécinho entrar de vice. Aécinho tem uma eleição certa pro Senado, e de lá, com Serra presidente, pode negociar seu apoio. No caso de ser vice o apoio já é intrínseco. Aécinho deve levar em conta que caso o governo Serra naufrague e tenha uma avaliação negativa -- coisa não muito improvável, pois sempre será comparado ao seu antecessor, ou alguém imagina que mesmo com apoio da mídia Serra igualará os recordes de popularidade de Lula? -- ele próprio sendo seu vice, também pagará o ônus. Outro ponto, talvez a chapa pura sangue, se se consumar, abra espaço para outras candidaturas. O DEMO passa por uma crise de votos muito grande, e num cenário assim pode lançar Cesar Maia, só pra marcar terreno e divulgar a sigla. Agora o bom mesmo para o PT seria ver um cenário pulverizado, com muitas candidaturas, uma mais a esquerda (PSOL), uma mais a direita (DEMO) e outra de centro(?) com o PMDB lançando algum nome, quem sabe Hélio Costa pra tirar uns votos dos tucanos em Minas, ou Roberto Requião no Sul. Um desses dois também seria um bom vice – se for o Costa, haja pragmatismo, mas vá lá, dentro da atual conjuntura é melhor isso a entregar o estado nas mãos dos privateiros. O certo é que ainda está cedo, e como se diz aqui em Minas, muita água há de passar por debaixo da ponte.

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  2. ô galegão...

    foi mal cortar o teu barato, mas o aécio desmentiu a parada hoje.

    Era jogo verde da Folha, mais conhecido como jogo sujo.

    O aécio ficou putão.

    E a gente faz piada a respeito!

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  3. Espere aí! Bem avaliados? O Neves sim, mas o Serra? Das pouquíssimas pesquisas que fizeram sobre ele e o Kassab (lembram quantas faziam nos tempos da Marta?), a avaliação não é tão boa, não...

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  4. Calma gente, mesmo o Aécio chamando isso de "invencionice" todos já vimos por vezes FHC dizer o quanto a idéia o agrada e seria um bom resultado para evitar o acirramento do embate com o Serra. Eles estão na frente (bem a frente aliás) mas não sobem no salto alto para não cairem depois. Esconder o jogo faz parte DO JOGO e não dá para confiar nem no DITO quanto mais no DESMENTIDO. Porém é prudente, do lado de cá, a gente considerar que esse acordo está valendo e procurar entender qual o objetivo dele, assim, tão cedo. Desprezar o PMDB é que não é...

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