Em mais uma colaboração para este blog, o professor Wagner Iglécias analisa o programa do governo Lula, lançado nesta terça-feira, em São Paulo. A seguir, a íntegra do artigo.
O programa de governo de Lula
Na semana em que as pesquisas apontam para o aumento da probabilidade de que venham a conquistar a reeleição já em primeiro turno, Lula e o PT lançam o programa de governo para um eventual segundo mandato. É um documento de características mais horizontais do que verticais. A horizontalidade está no rol de temas abordados, que vão da reforma política à modernização da legislação penal, da conclusão da criação da Super Receita ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dos direitos das minorias étnicas à duplicação da malha rodoviária. A verticalidade da proposta, que residiria em metas concretas e factíveis de serem alcançadas num novo mandato de quatro anos, não é tão clara. Apesar de poder ostentar o inegável trunfo da criação, durante seu governo, de 5 milhões de empregos formais nesses tempos de vacas tão magras para a classe trabalhadora a nível mundial, Lula parece escaldado com a camisa-de-força que se constituiu a promessa de criação de 10 milhões de postos de trabalho feita em 2002.
Além de genérico, o programa embarca num espírito de "segundo tempo", pelo qual um novo mandato serviria para buscar o desenvolvimento social e a distribuição de renda, após os quatro anos em que Lula teria "arrumado a casa". Neste quesito também não há muita novidade, já que todo candidato a reeleição apresenta esta justificativa para descolar junto ao eleitor mais quatro anos de gestão. Para não dizer que tudo ficou em tons pastéis, o programa bate duro no governo de FHC e na dupla PSDB-PFL. Sugere que o tal "choque de gestão" de Geraldo Alckmin poderia não passar de economia de dinheiro público feita à base de cortes de recursos destinados às políticas sociais. Afirma ainda que com o PSDB a política externa era marcada pela submissão aos países desenvolvidos e faz troça da envergadura moral da oposição quando recorda as dezenas de CPIs engavetadas pelo governo paulista, comandando pelos tucanos há doze anos.
Ainda que não seja nenhum arroubo novidadeiro, o programa de Lula para um eventual novo mandato deixa nas entrelinhas a seguinte impressão: embora PT e PSDB tenham governado o país, desde 1994, sob o pano de fundo da limitada margem de manobra que governos de países do Terceiro Mundo possuem hoje em dia para formular e implementar políticas públicas, dados os constrangimentos impostos a eles pela globalização econômica, parece que Lula e o PT crêem no Estado como um instrumento ainda muito relevante para o desenvolvimento. Pelo que foi o governo FHC e pelo pouco que se sabe, até o momento, do programa de Alckmin, parece que os tucanos creditam aquele papel mais às forças de mercado, tendo no Estado um ente mais regulador do que interventor. Se vier a ser reeleito, e se, de fato, fizer um governo de acordo com o que promete em seu programa, Lula poderá demonstrar se há realmente diferenças significativas em termos de projeto de desenvolvimento entre PT e PSDB. Não seria sem tempo, já que essa distinção, pelo menos pelo que foi seu mandato até aqui, para muita gente não ficou clara.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades de USP.
O programa de governo de Lula
Na semana em que as pesquisas apontam para o aumento da probabilidade de que venham a conquistar a reeleição já em primeiro turno, Lula e o PT lançam o programa de governo para um eventual segundo mandato. É um documento de características mais horizontais do que verticais. A horizontalidade está no rol de temas abordados, que vão da reforma política à modernização da legislação penal, da conclusão da criação da Super Receita ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dos direitos das minorias étnicas à duplicação da malha rodoviária. A verticalidade da proposta, que residiria em metas concretas e factíveis de serem alcançadas num novo mandato de quatro anos, não é tão clara. Apesar de poder ostentar o inegável trunfo da criação, durante seu governo, de 5 milhões de empregos formais nesses tempos de vacas tão magras para a classe trabalhadora a nível mundial, Lula parece escaldado com a camisa-de-força que se constituiu a promessa de criação de 10 milhões de postos de trabalho feita em 2002.
Além de genérico, o programa embarca num espírito de "segundo tempo", pelo qual um novo mandato serviria para buscar o desenvolvimento social e a distribuição de renda, após os quatro anos em que Lula teria "arrumado a casa". Neste quesito também não há muita novidade, já que todo candidato a reeleição apresenta esta justificativa para descolar junto ao eleitor mais quatro anos de gestão. Para não dizer que tudo ficou em tons pastéis, o programa bate duro no governo de FHC e na dupla PSDB-PFL. Sugere que o tal "choque de gestão" de Geraldo Alckmin poderia não passar de economia de dinheiro público feita à base de cortes de recursos destinados às políticas sociais. Afirma ainda que com o PSDB a política externa era marcada pela submissão aos países desenvolvidos e faz troça da envergadura moral da oposição quando recorda as dezenas de CPIs engavetadas pelo governo paulista, comandando pelos tucanos há doze anos.
Ainda que não seja nenhum arroubo novidadeiro, o programa de Lula para um eventual novo mandato deixa nas entrelinhas a seguinte impressão: embora PT e PSDB tenham governado o país, desde 1994, sob o pano de fundo da limitada margem de manobra que governos de países do Terceiro Mundo possuem hoje em dia para formular e implementar políticas públicas, dados os constrangimentos impostos a eles pela globalização econômica, parece que Lula e o PT crêem no Estado como um instrumento ainda muito relevante para o desenvolvimento. Pelo que foi o governo FHC e pelo pouco que se sabe, até o momento, do programa de Alckmin, parece que os tucanos creditam aquele papel mais às forças de mercado, tendo no Estado um ente mais regulador do que interventor. Se vier a ser reeleito, e se, de fato, fizer um governo de acordo com o que promete em seu programa, Lula poderá demonstrar se há realmente diferenças significativas em termos de projeto de desenvolvimento entre PT e PSDB. Não seria sem tempo, já que essa distinção, pelo menos pelo que foi seu mandato até aqui, para muita gente não ficou clara.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades de USP.
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