A edição desta sexta-feira da Folha de S. Paulo já reflete a postura de seu diretor de redação, Otavio Frias Filho, explicitada em artigo publicado ontem no jornal. Otavio escreveu, com todas as letras, que considera a eleição de Lula já no primeiro turno uma "anistia" do povo ao presidente. Parece pouco? Tem mais: diz Otavio que "se o veredicto for esse, dispensando o segundo turno, a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição." O que ele entende por "qualidade democrática" não está claro, mas claríssimo está que neste país, como gosta de dizer o presidente Lula, é preciso ouvir a opinião do diretor de redação da Folha para saber se a eleição deve decidida no primeiro ou segundo turno... No caso de São Paulo, onde o candidato das Folhas pode levar no primeiro turno, porém, a "qualidade democrática" do pleito está certamente garantida, pois Otavio nem mencionou o assunto.
O diretor passou o pito e o pessoal da redação parece ter entendido bem o recado. Na edição de hoje, a manchete foi para o "aumento" do desemprego (na verdade, o que aumentou foi o número de brasileiros que, estimulados pelo aumento das vagas, resolveu voltar ao mercado de trabalho) . Nas páginas do caderno Brasil, o jornal praticamente "comemora" o que se supõe ser o início de críticas mais duras de Alckmin a Lula. Logo depois, vem um abre de página que não faria feio na revista Veja: Classe artística repercute e reprova desprezo à ética de lulistas". Aguardem: Diogo Mainardi vai tratar do mesmo assunto neste domingo.
Parece jornal da campanha do Alckmin? Parece, mas tem mais: no caderno Cotidiano, abre de página para o secretário Saulo de Castro Abreu Filho, aquele um dia afirmou que matara o PCC, afirmar que o PT e o PCC são velhos conhecidos.
Está certo que o pessoal deve ter exagerado um pouco no primeiro dia "pós-bronca" do diretor de redação, mas a tendência é que a Folha cerre fileiras junto com Veja contra a reeleição de Lula. Do jeito que a coisa vai, o Estadão vai parecer um jornal moderado, de centro...
A sorte de Lula é que provavelmente a ação da Folha será ineficaz: o eleitor indeciso não lê jornal, o que torna a "campanha" do diário da Barão de Limeira uma gota no oceano. Além disto, vale notar que do ponto de vista mercadológico, trata-se de uma opção burra, pois o assinante da Folha que já decidiu votar em Lula ficará irritado com o jornal – alguns certamente cortarão suas assinaturas.
Para quem não leu, segue abaixo a íntegra do artigo de Otavio Frias Filho:
Anistia para Lula
CERTOS OU errados, nove entre dez colunistas políticos prevêem vitória de Lula no primeiro turno da eleição. O próprio presidente se esbalda no "já ganhei", chegando ao cúmulo de marcar compromissos para 2008. A 37 dias da votação, seu favoritismo segue impávido nas pesquisas.
É evidente que a decisão do eleitor será soberana (não existe um Carlos Lacerda propondo melar as regras do jogo). Mas se o veredicto for esse, dispensando o segundo turno, a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição.
A experiência mostra que só existe alguma discussão de programas de governo no segundo turno, quando o presidente se desgasta demais se não participar de debates e a sociedade se galvaniza em torno de duas personalidades, dois estilos, duas visões em confronto.
Isso é mais verdade ainda no caso de um presidente que, no governo, traiu quase todas as idéias-feitas que pregava nas duas décadas anteriores. E no caso de um partido ideológico cuja cúpula, uma vez no poder, converteu-se em verdadeira "quadrilha", como a definiu o procurador-geral da República.
A população mais carente tem boas razões para estar satisfeita com os preços, com o aumento do salário mínimo, com as transferências de renda (e de votos...). Nem por isso a reeleição do atual presidente, se de fato ocorrer, deixará de ter um significado sinistro. A mais alta corte do país, o próprio povo, terá anistiado o escândalo do mensalão.
Um presidente macunaímico, que se orgulha da própria falta de estudo, seria reconduzido sem trauma nem esforço. O partido que lhe serviu de alavanca, o PT, pode não sair destroçado das urnas, mas será um fantasma do que já foi.
Políticos sem doutrina, a maioria, farão fila para apoiar um chefe de governo novamente forte. Semanas atrás, o presidente lançou a proposta marota de uma "Constituinte" para fazer a reforma política no ano que vem. As reações vigorosas mataram o assunto, por enquanto. Mas a idéia é perigosa e pode voltar tão logo Lula se sinta reinstalado no posto, com mais força ainda se não tiver de enfrentar um segundo turno.
Constituinte para fazer a reforma política? Por que não aproveitar e prorrogar seu mandato, garantir o direito a nova reeleição, decretar que só poderão concorrer candidatos "progressistas"? Estamos longe de ver essas fantasias se concretizarem. Mas não custa alertar.
A oposição estava certa, hoje ficou claro, quando evitou insuflar o impeachment de Lula. Teria provocado um mártir, um Getúlio vivo. Não que Lula não soubesse de nada: é evidente que sabia, embora provas irrefutáveis não tenham, ainda, aparecido. Reeleito, estará anistiado.
OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de Redação da Folha
O diretor passou o pito e o pessoal da redação parece ter entendido bem o recado. Na edição de hoje, a manchete foi para o "aumento" do desemprego (na verdade, o que aumentou foi o número de brasileiros que, estimulados pelo aumento das vagas, resolveu voltar ao mercado de trabalho) . Nas páginas do caderno Brasil, o jornal praticamente "comemora" o que se supõe ser o início de críticas mais duras de Alckmin a Lula. Logo depois, vem um abre de página que não faria feio na revista Veja: Classe artística repercute e reprova desprezo à ética de lulistas". Aguardem: Diogo Mainardi vai tratar do mesmo assunto neste domingo.
Parece jornal da campanha do Alckmin? Parece, mas tem mais: no caderno Cotidiano, abre de página para o secretário Saulo de Castro Abreu Filho, aquele um dia afirmou que matara o PCC, afirmar que o PT e o PCC são velhos conhecidos.
Está certo que o pessoal deve ter exagerado um pouco no primeiro dia "pós-bronca" do diretor de redação, mas a tendência é que a Folha cerre fileiras junto com Veja contra a reeleição de Lula. Do jeito que a coisa vai, o Estadão vai parecer um jornal moderado, de centro...
A sorte de Lula é que provavelmente a ação da Folha será ineficaz: o eleitor indeciso não lê jornal, o que torna a "campanha" do diário da Barão de Limeira uma gota no oceano. Além disto, vale notar que do ponto de vista mercadológico, trata-se de uma opção burra, pois o assinante da Folha que já decidiu votar em Lula ficará irritado com o jornal – alguns certamente cortarão suas assinaturas.
Para quem não leu, segue abaixo a íntegra do artigo de Otavio Frias Filho:
Anistia para Lula
CERTOS OU errados, nove entre dez colunistas políticos prevêem vitória de Lula no primeiro turno da eleição. O próprio presidente se esbalda no "já ganhei", chegando ao cúmulo de marcar compromissos para 2008. A 37 dias da votação, seu favoritismo segue impávido nas pesquisas.
É evidente que a decisão do eleitor será soberana (não existe um Carlos Lacerda propondo melar as regras do jogo). Mas se o veredicto for esse, dispensando o segundo turno, a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição.
A experiência mostra que só existe alguma discussão de programas de governo no segundo turno, quando o presidente se desgasta demais se não participar de debates e a sociedade se galvaniza em torno de duas personalidades, dois estilos, duas visões em confronto.
Isso é mais verdade ainda no caso de um presidente que, no governo, traiu quase todas as idéias-feitas que pregava nas duas décadas anteriores. E no caso de um partido ideológico cuja cúpula, uma vez no poder, converteu-se em verdadeira "quadrilha", como a definiu o procurador-geral da República.
A população mais carente tem boas razões para estar satisfeita com os preços, com o aumento do salário mínimo, com as transferências de renda (e de votos...). Nem por isso a reeleição do atual presidente, se de fato ocorrer, deixará de ter um significado sinistro. A mais alta corte do país, o próprio povo, terá anistiado o escândalo do mensalão.
Um presidente macunaímico, que se orgulha da própria falta de estudo, seria reconduzido sem trauma nem esforço. O partido que lhe serviu de alavanca, o PT, pode não sair destroçado das urnas, mas será um fantasma do que já foi.
Políticos sem doutrina, a maioria, farão fila para apoiar um chefe de governo novamente forte. Semanas atrás, o presidente lançou a proposta marota de uma "Constituinte" para fazer a reforma política no ano que vem. As reações vigorosas mataram o assunto, por enquanto. Mas a idéia é perigosa e pode voltar tão logo Lula se sinta reinstalado no posto, com mais força ainda se não tiver de enfrentar um segundo turno.
Constituinte para fazer a reforma política? Por que não aproveitar e prorrogar seu mandato, garantir o direito a nova reeleição, decretar que só poderão concorrer candidatos "progressistas"? Estamos longe de ver essas fantasias se concretizarem. Mas não custa alertar.
A oposição estava certa, hoje ficou claro, quando evitou insuflar o impeachment de Lula. Teria provocado um mártir, um Getúlio vivo. Não que Lula não soubesse de nada: é evidente que sabia, embora provas irrefutáveis não tenham, ainda, aparecido. Reeleito, estará anistiado.
OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de Redação da Folha
Será que o Otavio Frias Filho tá com saudade do Lacerda também?
ResponderExcluirO artigo do dono da Folha desfaz, (quem ainda acreditava?), liquida, aniquila, joga pelo ralo a idéia hipócrita e marketeira de aparente apartidarismo da redação.
Há muito não restavam dúvidas, mas essa foi a pá de cal.
Claudio Abramo deve ter se revirado no túmulo!
Um jornal apoiar uma determinada candidatura é absolutamente normal. Mas isso deveria ser dito claramente para seu leitor, que imagina estar comprando uma informação, mas acaba recebendo campanha. Até quando vamos ver a imprensa atuar dessa forma sem que isso vire um debate sobre ética.
ResponderExcluirParabéns Luis pelo post.