Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglécias: quem vai se eleger deputado?

Em mais uma colaboração para este blog, o professor Wagner Iglecias analisa o cenário político atual e a provável composição da Câmara dos Deputados a partir de 2007. O conteúdo não é nada animador – até Severino Cavalcanti (foto) pode voltar–, mas vale a pena ler o texto para entender como o que é ruim pode ficar ainda pior. Abaixo, a íntegra do artigo.

Eleição no Brasil, via de regra, é focada no Poder Executivo. O eleitor decide-se, seja mais cedo, seja mais tarde, pelo candidato a prefeito, governador ou presidente de sua preferência. Avalia sua história de vida, sua personalidade e suas propostas de governo. E, sobretudo, as compara com as dos demais postulantes. Já a decisão de voto para os cargos legislativos fica na maioria das vezes, ao que parece, em segundo plano.

Para piorar, no atual momento da História política brasileira a imagem dos políticos em geral, e do Poder Legislativo em particular, não é das melhores. Após mais de um ano de denúncias de corrupção envolvendo de mensaleiros a sanguessugas, acrescidas dos processos de absolvição de diversos acusados por parte dos próprios congressistas, é de se esperar uma quantidade não desprezível de votos nulos ou brancos para o Congresso Nacional, e especialmente para a Câmara dos Deputados. E ai surge a pergunta: num cenário assim tão ruim, quem tem maiores chances de eleger-se deputado federal?


Se se parte da hipótese de que a quantidade de votos válidos para o Legislativo deverá ser menor do que em outros pleitos, diminui por conseqüência o número de votos necessários para que um candidato seja eleito. Desta forma, aumentam as chances de êxito daqueles candidatos que representam regiões geográficas restritas ou setores sociais específicos. Assim, é bastante provável que prefeitos e ex-prefeitos de cidades com colégio eleitoral de médio e grande porte se elejam para a Câmara dos Deputados. O mesmo deve valer para candidatos que buscam representar setores da economia ou segmentos circunscritos da sociedade.


Acrescente-se a isso o endurecimento da legislação eleitoral deste ano, que prevê fortes restrições à propaganda política, e se vê que aqueles candidatos suprapartidários, que conseguem amealhar votos em todas as regiões e em todos os segmentos sociais, deverão ter mais dificuldades para alcançar o patamar mínimo de votos para chegar à Câmara. Obviamente alguns medalhões, presentes nos principais partidos, seguirão como campeões das urnas e grandes puxadores de votos, carregando consigo alguns companheiros de legenda. Mas é bastante provável que as urnas de 2006 nos apresentem um cenário mais distritalizado na representação legislativa, no qual regiões geográficas e setores sociais específicos poderão contribuir mais do que outras variáveis para a formação de bancadas marcadas pelo paroquialismo. Se for isto o que sair das urnas, poderemos ter uma Câmara dos Deputados com jeitão de Câmara dos Vereadores. A conferir.


Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...