Pular para o conteúdo principal

O resultado e os bastidores do debate da Band

O primeiro debate entre os presidenciáveis, realizado ontem pela TV Bandeirantes, conseguiu 6 pontos no Ibope e deve ter sido um excelente programa para quem pretendia dormir mais cedo do que o habitual. Sem nenhum momento de emoção, o confronto se assemelhou a uma luta entre boxeadores peso-pena, que geralmente acabam em vitória por pontos e só atrai aficcionados pelo esporte. Da mesma forma, apenas o público que gosta muito de política deve ter tido paciência para chegar ao final do debate e não é fácil dizer quem realmente venceu, se é que houve vencedor.

Além do desempenho dos candidatos, saber qual era o objetivo de cada um no programa é essencial para a análise das possíveis consequências eleitorais deste primeiro debate. Também os fatos ocorridos nos bastidores ajudam a clarear o cenário.

Lula ausente

Antes de mais nada, é preciso atentar para a ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do programa. É fato que vários candidatos criticaram a ausência, mas a pergunta que fica é: Lula perdeu mais votos ao faltar ao programa do que poderia perder se tivesse comparecido? Este blog acredita que o presidente minimizou os riscos e, do ponto de vista estritamente eleitoral, fez bem ao permanecer em Brasília. A audiência pequena e o formato do programa fazem com que a ausência seja percebida por poucos eleitores, em geral os mais informados e que já decidiram em quem votar. Assim, Lula perde poucos votos ao não comparecer, mas poderia desencadear um fato político relevante se, comparecendo, virasse saco de pancadas até dos candidatos nanicos. Portanto, não dá para dizer que Lula foi o perdedor da noite, apesar das críticas que recebeu dos candidatos Heloísa Helena e Geraldo Alckmin, em especial. Tucanos e eleitores do PSOL devem ter desopilado o fígado, mas para o eleitor médio de Lula, não fez muita diferença a ausência no programa.

Tucanos tensos

Geraldo Alckmin (PSDB) foi ao programa em meio a uma crise na sua campanha e tinha um cenário complicado pela frente: com a ausência de Lula e com a crise da segurança pública bombando em São Paulo, poderia se tornar a vidraça da noite. Não conseguiu evitar que a segurança fosse tema dos adversários, mas escapou razoavelmente ileso dos ataques, mesmo porque a candidata Heloísa Helena (PSOL) foi especialmente comedida – talvez preocupada em minimizar a fama de agressiva e destemperada que possui.

Alckmin usou parte de seu tempo para se apresentar aos brasileiros, coisa que se repetiu no programa eleitoral gratuito de ontem. É um tanto incompreensível que os dois principais partidos de oposição tenham que apresentar seu candidato à presidência da República faltando apenas 45 dias para o pleito – o fato de Alckmin ainda ser desconhecido do público é sinal de que sua candidatura não estava madura. De toda maneira, o candidato perdeu tempo se apresentado e tentou falar o máximo possível sobre suas propostas. O problema é que são tantas as propostas que o telespectador não capta a "marca Alckmin", fica sem saber o que ele pretende de diferente. O ex-governador paulista também tem muita dificuldade em demonstrar qualquer tipo de reação emocional, de forma que aparece "robotizado" na tela da televisão.

O comportamentos dos apoiadores de Alckmin durante o programa revela que a situação não está mesmo harmônica na aliança tucano-pefelista. O chamado "núcleo duro" do candidato – a mulher Dona Lu e os ex-secretários Gabriel Chalita e José Carlos Meirelles – ficaram sentados no centro da platéia. A turma da coordenação da campanha (Tasso Jereissati, Roberto Freire e José Aníbal) não se juntaram aos alckmistas e se sentaram no canto esquerdo da platéia. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, só chegou no terceiro bloco, acompanhado pelo prefeito Gilberto Kassab, e não conseguiu se juntar a Freire, que de sua parte chegou a cochilar na cadeira durante o debate, e Tasso. O marqueteiro Luiz González, que vem recebendo críticas da cúpula da campanha, parecia bastante tenso, mas terminou o debate sorridente – ou estava de fato aliviado ou fingia estar.

Heloísa jogou na retranca

Os integrantes do PSOL comemoram bastante a "vitória" da senadora Heloísa Helena no debate, mas é preciso analisar com um pouco mais de atenção o desempenho da candidata para dizer se ela realmente se saiu vitoriosa. Em primeiro lugar, Helena chama atenção pela oratória, pelo gestual e até mesmo por ser a única mulher no meio dos engravatados e sisudos candidatos. Quando ela aparece, o público naturalmente presta mais atenção no que ela diz. A diferença entre a senadora e o ex-governador Alckmin, por exemplo, é gritante, são políticos que usam formas opostas para se expressarem.

Desta maneira, é preciso tentar perceber quais eram os objetivos de Helena no debate e dois deles ficaram muito claros. Por um lado, a candidata foi bastante contida nos ataques a Alckmin (em relação a Lula, é bom notar, foi mais contundente), certamente para mostrar que não é uma desajustada e que sabe se comportar em um ambiente formal. Nesta mesma linha, Helena chegou a dizer que também fará um "ajuste fiscal" e em diversos momentos tentava mostrar que dominava dados numéricos e conhecia aos assuntos sobre os quais falava. Os melhores momentos da senadora no vídeo, porém, acontecem quando ela abandona o comedimento e se torna ela mesma: na questão da reforma agrária, por exemplo, passou muita segurança ao dizer que não haverá invasões de terra pelo simples fato de que fará a reforma agrária. Não é tão simples assim, mas Heloísa foi convincente. Tudo somado, Heloísa foi realmente bem no encontro e provavelmente vai continuar medindo com cuidado a dose de crítica e radicalismo com uma imagem mais suave, em que enfatiza o papel de mãe e a condição de mulher. Se vai colar ou não, são outros quinhentos, mas parece ser esta a estratégia da candidata.

Cristovam virou nanico

Sobre os demais candidatos, há pouco a dizer de relevante: Cristovam Buarque (PDT) se igualou a Luciano Bivar (PSL) na falta de carisma e na dificuldade em ser levado a sério pelo público – na quarta ou quinta vez em que se voltou para o assunto da Educação, sua prioridade única e absoluta, o público riu. Depois, um deputado do PSOl comentou: "tem gente que só pensa naquilo. O Cristovam só pensa nisso..." De fato, a insistência do candidato trabalhista chega a ser irritante e praticamente o coloca, perante ao eleitor, como um personagem folclórico ("aquele da Educação").

Da mesma maneira, Bivar martela a cantilena do imposto único e do "Estado servidor", mas seu amadorismo fica patente em lances como o de economizar um minuto do tempo logo na primeira resposta do programa. Já o gaúcho José Maria Eymael (PSDC) foi um pouco superior aos demais, com sua boa oratória, adquirida de outras candidaturas derrotadas. É, pode-se dizer assim, um nanico mais experiente. Todos os três tinham um objetivo claro: aperecer para o grande público como candidatos ao Palácio do Planalto. Não se pode dizer que não conseguiram. Já fazem parte do folclore político e poderão contar aos netos que um dia disputaram a presidência do Brasil.

Comentários

  1. Excelente avaliação sobre o debate!
    Cristovam Buarque estava com toda a pecha de nanico e Heloísa procurando reverter a fama de destemperada, em alguns momentos algum lampejo de eloqüência surgia, mas ela - pareceu-me - percebia e se retraia. Em relação a Lula, concordo. Ele seria vidraça. Mas, não seria ético do ponto de vista de um candidato comparecer a um debate, atividade essencial para o exercício da democracia. Lembre-se que em outras vezes, ele criticou duramente a ausência de adversários. E enfim, Alckmim. E não era para estar tenso?!

    ResponderExcluir
  2. Faz tempo que o Lula sumiu!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe