Pular para o conteúdo principal

Faltam 5 dólares para o mínimo de US$ 200

Está muito interessante a reportagem reproduzida abaixo, do site Terra Magazine. Muita gente vai dizer que o salário mínimo vai atingir os duzentos dólares "apesar" do presidente Lula, e não "por causa" dele, mas as coisas não são bem assim. O governo federal realmente implantou uma política de recuperação do valor do mínimo, que melhorou o poder de compra dos brasileiros ao longo do primeiro mandato. Claro que o valor em dólar só melhorou tanto por causa da desvalorização da moeda norte-americana em relação ao real, mas o fato é que a situação do trabalhador que recebe um salário mínimo está bem menos desconfortável do que no tempo de Fernando Henrique Cardoso. É mais um número que ajuda a explicar a popularidade de Lula.


Salário mínimo se aproxima da marca de US$ 200

Daniel Bramatti


Houve um tempo em que sindicatos faziam campanhas nacionais em defesa do salário mínimo de US$ 100. Candidatos a presidente eram acusados de populismo ao se comprometer com essa meta. Economistas alertavam para o risco de aumento do desemprego e de colapso nas contas públicas caso a marca fosse atingida. Foi-se a época. Nos últimos dias, o salário mínimo se aproximou da marca histórica de US$ 200 - no final da manhã desta quarta-feira, estava em US$ 195,67.

A mudança de patamar foi rápida. Há quatro anos, o senador Paulo Paim (PT-RS) ainda causava rebuliço no Congresso e no governo ao apresentar um projeto que estabelecia um mínimo equivalente a US$ 100 em 2004. De lá para cá, com a desvalorização do dólar e os aumentos reais do salário, a reivindicação ficou sem sentido.
"Sempre disse que, quando chegássemos a US$ 100, o passo seguinte seria defender uma meta de US$ 200", disse Paim a Terra Magazine. O senador continua favorável à vinculação do salário ao dólar, apesar de ressalvar que a moeda norte-americana "não tem a estabilidade que nós gostaríamos". Agora, segundo ele, é preciso que o mínimo chegue a US$ 400 "para deixar de ser indecente".

A elevação do salário em dólar tem como principal combustível a valorização do real. Mas não são desprezíveis os ganhos reais da remuneração dos trabahadores desde o Plano Real.

Em janeiro de 1995, quando tomou posse o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o mínimo valia o equivalente a R$ 181 (em valores de hoje, corrigidos pelo INPC). Em dezembro de 2002, quando FHC deixou o governo, o valor chegava a R$ 257 - o ganho real foi de 42%. Da posse de Luiz Inácio Lula da Silva para cá, houve aumento real de mais 48%.

Esses ganhos ficam mais claros quando comparados ao custo da cesta básica do Dieese (Departamento Intersindical de Economia e Estatística). Em janeiro de 1995, um trabalhador que ganhava salário mínimo na capital paulista precisava trabalhar quase 225 horas para comprar uma cesta básica. Em dezembro de 2002, uma cesta equivalia a cerca de 175 horas de trabalho. No mês passado, a mesma quatidade de produtos podia ser adquirida com apenas 109 horas de trabalho.

Para o Dieese, não faz sentido comparar o mínimo com o dólar. "O trabalhador compra o que precisa em reais, e não em dólar. Nada muda se o dólar cai", afirmou o economista José Maurício Soares, pesquisador da entidade. Mas foram os próprios sindicalistas que forçaram essa comparação ao adotar a meta de US$ 100 como bandeira.
O presidente da CUT, Arthur Henrique, afirma que "uma determinada conjuntura" levou os sindicatos a "trabalhar com esse simbolismo dos 100 dólares". Essa conjuntura é a do período de alta inflação, quando um salário "dolarizado" era visto como garantia contra a perda de poder aquisitivo.

Para o economista Marcio Pochman, da Unicamp, estudioso dos movimentos sindicais, não faz mais sentido usar o dólar como parâmetro, como se fazia na época do descontrole inflacionário. Agora, com a estabilidade de preços, é a moeda norte-americana que ficou volátil, observou.

Apesar dos ganhos do salário mínimo, em reais e em dólar, ainda falta muito para que ele volte aos patamares do final dos anos 50, quando tinha poder de compra muito maior.

Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 1959 o mínimo chegou a valer o equivalente a quase R$ 600, em valores de hoje. Daí para a frente, anos de arrocho e corrosão inflacionária levaram o salário a seu piso histórico de R$ 119 (valor atualizado) em agosto de 1991.

Para o Dieese, que usa outro índice de correção inflacionária, o mínimo era ainda maior em 1959: equivalia a mais de R$ 1.300.

José Maurício Soares destaca que, naquele ano, um salário comprava 1.180 passagens de ônibus em São Paulo. Hoje, para fazer o mesmo número de viagens, um trabalhador gastaria mais de seis salários - já levando em conta a remuneração mínima no Estado de São Paulo, de R$ 410, quase 8% superior ao piso nacional.

Para o presidente da CUT, mais importante do que atingir a marca histórica de US$ 200 é a conquista de uma regra permanente de valorização real do mínimo.

O governo apresentou como parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) um projeto que prevê a correção do mínimo, até 2023, pela inflação mais a variação percentual do PIB nos dois anos anteriores.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe