Pular para o conteúdo principal

Alberto Dines: Veja ajuda a servir a pizza

Um excelente artigo sobre o caso Renan Calheiros, do ponto de vista da análise da cobertura da imprensa, está no Observatório da Imprensa (e reproduzido abaixo). A tese de Dines é interessante e, embora um pouco diferente do que já foi escrito aqui, parece fazer sentido. O que resta saber é quem está por trás da fonte de Veja, identificada pelo diretor do OI. Este blog duvida que Mônica Veloso e seu advogado estejam sozinhos em uma jogada que pode acabar derrubando o presidente do Senado.


VEJA & RENAN CALHEIROS
Denúncia apressada pode abafar Operação Navalha

Por Alberto Dines em 29/5/2007


Veja tinha pressa: precisava mostrar que não foi ultrapassada na Operação Navalha. Sentia-se na obrigação, sobretudo, de mostrar que tem futuro este tipo de jornalismo semanal da qual se tornou expoente no Brasil. Ou mais futuro do que o do jornalismo diário. Nessas maratonas, quem perde sempre é o maratonista
.

A decisão de antecipar de sábado (26) para sexta (25/5) a data de saída da edição nº 2010 pretendia substituir pelo impacto e a surpresa as falhas e omissões na denúncia contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. Um ou dois dias a mais na investigação e, principalmente, um texto mais cuidado e uma edição menos afobada teriam dado à matéria mais consistência e menos semelhança com o que se convencionou chamar de jornalismo de apelação, marrom ou amarelo.

Como ainda não dispunha de provas sobre as ligações do político alagoano com o esquema da Gautama, o semanário foi atrás das suas eventuais ligações com outra empreiteira, a Mendes Júnior. E como o redator não poderia ignorar o potencial explosivo das navalhadas da Polícia Federal, misturou alhos com bugalhos numa das aberturas mais toscas do nosso jornalismo investigativo.

Campeonato antipizza

Em quatro páginas profusamente ilustradas para dar volume, nenhum documento. Apenas a acusação, sem aspas ou fonte, de que um dos diretores da construtora Mendes Júnior, Cláudio Gontijo, pagava em dinheiro contas pessoais do senador.

Depois do Jornal Nacional de segunda-feira (28/5) percebe-se que a fonte da Veja foi o advogado da jornalista Mônica Veloso (beneficiária daqueles pagamentos e com quem o senador teve uma filha). Este advogado foi o único a contestar no telejornal da Globo (e mesmo assim por telefone) a defesa que Renan Calheiros fizera naquela tarde no Senado.

Renan Calheiros apresentou alguns documentos em sua defesa, tentando mostrar que os pagamentos à jornalista eram seus e não de terceiros. Mas deixou lacunas, conforme se evidenciou logo em seguida.

Significa que nas próximas semanas seremos obrigados a acompanhar uma telenovela contábil e ignóbil apenas porque a maior revista brasileira, por impaciência ou delírio (dá no mesmo), ao invés de investigar com seriedade deixou-se fascinar pela picardia e pela sordidez.

Na ânsia de comandar o espetáculo e assumir a liderança do campeonato antipizza, Veja pode estar contribuindo ardilosamente para reforçar o imenso coro de políticos assustados com o rigor da PF e que, por isso, reclamam contra os seus "excessos".

Burocráticas, autarquizadas

Se não for sabotada ou manipulada, a Operação Navalha tem condições de reprimir ou, pelo menos, atenuar o saque multissecular ao erário que tornou o país um dos mais injustos do mundo. Junto, deverá alterar decisivamente a forma de fazer política, administrar orçamentos e estabelecer um padrão mínimo de decência no poder público.

Sem navalhadas, mas devidamente equipada para produzir a indispensável ressonância, a imprensa desempenha um papel não menos crucial neste saneamento cívico. Em quase duas semanas de intensa cobertura, a mídia cometeu poucos deslizes – alguns por culpa das simplificações propiciadas pelos infográficos – mas não está conseguindo passar à sociedade a premente e inadiável necessidade do "basta!".

As primeiras páginas são burocráticas, autarquizadas, concebidas para atender às imposições da segmentação dos públicos e respectivos cadernos. Em nossas redações ninguém lembra mais do poder de um editorial de primeira página, candente e universal, capaz de sacudir os atentos e desatentos, teens e idosos, socialites e sindicalistas, rurais e urbanos, artistas e economistas. Jornalismo sem capacidade de convocação perde até para a virtualidade do Second Life.

***

A mídia não tem os seus lobistas?

Virou palavrão: originalmente "grupo de pressão parlamentar", lobby transformou-se em símbolo do tráfico de influência, a indústria mais lucrativa do país. E o lobista que, antigamente, se escondia atrás da "advocacia administrativa" virou agente da perversão.

As empresas jornalísticas, porventura, não fazem lobby? Não oferecem projetos especiais aos grandes anunciantes – multinacionais ou estatais? Neste afã não corre o "por fora," não ocorrem superfaturamentos, não se oferecem descontos de freqüência, prendas e mimos em troca de grandes faturamentos publicitários?

E as entidades de comunicação, não atuam junto aos diferentes poderes da República em defesa de seus interesses particulares (nem sempre coincidentes com os da sociedade que deveriam representar)?

Assessores de comunicação não fazem lobby, não oferecem matérias exclusivas?

E os lobbies das cervejeiras, das tabaqueiras, das armas e da indústria farmacêutica – para citar os mais contestados ultimamente – não oferecem vantagens, inclusive à mídia?

Enquanto não se regulamentam os lobbies, conviria pensar no processo de diabolização das palavras.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe