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Ainda sobre o caso Barbon (2)

O artigo abaixo, do editor destas Entrelinhas, está no Observatório da Imprensa. É uma versão mais trabalhada de uma nota publicada originalmente ontem neste blog. Quem não leu, pode ler agora; quem já leu, pode ler de novo. A Fenaj merece.


MEMÓRIA / LUIZ CARLOS BARBON
Mais um papelão da Fenaj

Por Luiz Antonio Magalhães em 9/5/2007


Três entidades já se manifestaram em relação a morte do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, assassinado a tiros no sábado à noite, em Porto Ferreira (SP): a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo divulgaram uma nota comum e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também se manifestou nesta segunda-feira (7/5), em nota oficial, assinada pela diretoria da entidade.

Os dois documentos, reproduzidos ao final deste comentário, são de fato bem diferentes. De um lado está a Fenaj, cuja direção se revela por completo no documento trazido a público. Na nota sobre a morte de Luiz Carlos Barbon, os diretores da Fenaj e do sindicato paulista ao invés de demonstrar indignação com o assassinato do jornalista, acusam a vítima de exercício ilegal da profissão. A covardia dos sindicalistas é evidente: Barbon não está aqui para se defender das acusações que lhe foram feitas. Em contraste, há a nota da Abraji, serena, porém firme na defesa da liberdade de imprensa e na cobrança das autoridades para que o crime não fique sem punição.

É o diploma, estúpido

A verdade é que há muito tempo a Fenaj se transformou em um verdadeiro estorvo, um peso morto inclusive para aliados históricos, como o PT e o presidente Lula, a quem a entidade conseguiu prejudicar no episódio do Conselho Federal de Jornalismo. O oportunismo dos dirigentes Fenaj não é propriamente uma novidade, mas realmente neste caso em particular causa espanto a desfaçatez da entidade em usar um assassinato para lembrar a questão da "regulamentação" da profissão de jornalista. O que moveu a Fenaj nesta nota asquerosa é a sua "luta" pela obrigatoriedade do diploma e decorrente delimitação de um "lugar" exclusivo para os formados no mercado de trabalho. Um corporativismo tacanho e ultrapassado, que certamente dará seu último suspiro muito em breve.

Felizmente, no entanto, esta gente acovardada que hoje encontra abrigo na Fenaj está perdendo a guerra em torno da obrigatoriedade do diploma, seja no Judiciário, no debate público da sociedade brasileira e também no mundo real – a internet em breve enterrará de vez qualquer possibilidade de limitação da atividade jornalística em função do canudo que a Fenaj tanto preza e para o qual terão de arrumar um uso alternativo.

Leia a seguir as notas da duas entidades:

1. Nota da Fenaj e Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo

"A morte de qualquer cidadão nas circunstâncias ocorridas na cidade de Porto Ferreira, interior de São Paulo, onde Luiz Carlos Barbom Filho, de 37 anos, foi assassinado a tiros, obviamente, gera indignação, repulsa de toda a sociedade. Inicialmente, é preciso exigir o esclarecimento, bem como a punição dos responsáveis e hipotecar toda a solidariedade aos familiares e amigos da vítima.

Luiz Carlos Barbom Filho, apesar de se auto-intitular, não era jornalista de fato e de direito. O jornal de sua propriedade, Realidade, foi fechado pois nunca esteve regularizado e Barbom Filho não possuía o registro de jornalista, tendo sido, inclusive, processado por exercício ilegal da profissão.

No entanto, esses fatos não justificam nenhum ato de violência contra sua pessoa e tampouco desabonam as denúncias que eventualmente tenha tornado públicas contra desmandos de autoridades ou grupos.

Esse episódio exige uma reflexão profunda sobre o atual estágio de fragilidade social à qual está exposta a profissão de jornalista e grande parte da população.

Não é possível que crimes e ilegalidades só sejam alvo de ação efetiva do poder público, após se tornarem fenômenos midiáticos. A população não pode ter suas demandas atendidas pelo Estado somente após terem se tornado manchetes dos veículos de comunicação. É preciso existir canais abertos para que o povo exerça a cidadania, denuncie os desmandos dos poderosos, exija o cumprimento da Lei, enfim, faça valer seu direito à cidadania.

Para a realização plena dessas condições básicas de liberdade, os jornalistas têm um papel fundamental a cumprir. Isso é obvio, mas é doentio pensar que todo cidadão, para poder exercer esses direitos, deva se arvorar à condição de jornalista.

Estamos diante de uma prova de "déficit de cidadania" no País, que precisa ser solucionado, sob pena de jamais ser uma democracia de fato e de direito!

São Paulo e Brasília, 07 de maio de 2007.

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e Federação Nacional dos Jornalistas

2. Nota oficial da Abraji

"Abraji repudia assassinato de jornalista e alerta para atentado à liberdade de imprensa

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) repudia o assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, 37 anos, de Porto Ferreira (SP), e alerta para os riscos à liberdade de imprensa que o crime representa. Barbon Filho foi executado com dois disparos a queima-roupa na noite de sábado, em um bar próximo à rodoviária da cidade. O jornalista havia produzido reportagens, em 2003, sobre um grupo de políticos e empresários locais envolvidos em aliciamento de menores. Segundo sua mulher, Barbon Filho recebera ameaças por cartas e telefonemas. De acordo com o delegado Eduardo Campos, Barbon Filho tinha vários desafetos, incluindo autoridades, por sua atuação como repórter. A Abraji se solidariza com a família do jornalista.

Além do crime bárbaro cometido contra Barbon Filho, a execução é um atentado à liberdade de imprensa. O fato de ter sido realizada em local público, de modo premeditado e com extrema violência revela uma tentativa clara de intimidação da imprensa e de impedi-la de cumprir sua obrigação de relatar fatos à sociedade. Exige-se do poder público uma atuação exemplar, com rápida e criteriosa investigação, a fim de que os autores materiais e intelectuais do crime não fiquem impunes. Omitir-se nesse caso é um estímulo à repetição de crimes como esse.

Diretoria da Abraji"

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