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Navalha, Renan e a nova crise política

O artigo abaixo é a reflexão semanal que o autor destas Entrelinhas publica no Correio da Cidadania.

A Operação Navalha e as denúncias da revista Veja de que Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente do Senado Federal, usava um empreiteiro-lobista (ou vice versa) para pagar a pensão de uma filha que teve fora do casamento e o aluguel da mãe da menina, tudo pela bagatela de R$ 16,5 mil, são fatos que revelam o grau de imprevisibilidade da política brasileira. O jogo aqui é tão dinâmico que derruba até a vidente mais certeira, o pai de santo mais escaldado, o astrólogo mais inspirado.

Uma semana antes da Operação Navalha começar, ninguém falava em outra coisa: a bola da vez era a economia, tamanho o marasmo na política. Os analistas iam juntando em um único balaio a queda no risco-país para níveis nunca antes alcançados, a desvalorização do dólar norte-americano e a excelente performance da bolsa de valores de São Paulo, que vinha batendo recordes a cada dia. Com uma pitada social – emprego formal também melhorando e o salário mínimo chegando aos US$ 200 –, a tese reinante era de que o Brasil começava a passar por um período inédito de crescimento econômico, estabilidade da moeda e do clima político.

Naqueles dias que já parecem tão distantes, qualquer analista sério diria que o risco de uma nova crise política caminhava para a mesma direção do rico-Brasil, ambos com "viés de baixa". Afinal, a oposição estava sem rumo, com suas lideranças divididas entre o adesismo de Aécio Neves (PSDB) e a completa falta de norte e sorte de José Serra, cujo governo até agora se resume em uma sucessão de tragédias (Metrô) e conflitos (USP, Previdência dos servidores). O presidente Lula, de sua parte, parecia estar cada vez mais tranqüilo e confiante no cenário para este segundo mandato e concentrava seus esforços na aprovação dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento.

A Operação Navalha e a denúncia contra Renan, porém, representam um verdadeiro terremoto no cenário político nacional. A quadrilha desbaratada pela Polícia Federal envolvendo a construtora Gautama e seu dono Zuleido Veras não é pouca porcaria. Zuleido é muitíssimo bem relacionado e o esquema de fraudes tão evidente que antes mesmo das investigações avançarem com o depoimento dos presos, a navalhada da PF conseguiu derrubar o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, que deixou o cargo alegando não ter coisa alguma a ver com os R$ 100 mil que teriam sido entregues, em pleno ministério, a ele ou algum estafeta de plantão pela representante de Zuleido, em troca certamente da liberação de recursos para obras que já vinham sendo tocadas pelo empreiteiro.

No caso de Renan, não há acusação de corrupção propriamente dita – ele mesmo afirma que era seu o dinheiro para o pagamento da pensão e aluguel da casa da mãe de sua filha. O lobista-empreiteiro da Mendes Jr. teria sido apenas o intermediário de uma negociação privada, que provavelmente Renan não quis contabilizar em suas contas para preservar a sua família. Ainda assim, vale o velho ditado da Roma antiga: à mulher de César não basta ser honesta, ela precisa parecer honesta...

Assim, é de imagem o grande problema de Calheiros neste momento, até porque não deixa de ser complicado um presidente do Senado Federal ter um empreiteiro que lhe faz favores tão particulares. A denúncia de Veja é sem dúvida puro jornalismo marrom – ninguém tem nada a ver com a vida pessoal do presidente do Senado, mas o efeito é devastador. Esta coluna acredita que ele não resiste na presidência da Casa Alta do parlamento brasileiro e tal e qual Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, acabará renunciando pelo menos à presidência, a fim de preservar o mandato.

Caindo ou sangrando em praça pública, a desgraça de Renan vai colocar mais lenha na fogueira da Operação Navalha, que por sinal pode ter novidades, com operações homônimas em seqüência (Navalha 2, 3 4), aumentando ainda mais o ruído.

Até o momento, o presidente Lula sai de tudo isto preservado – corruptos são sempre os outros e o próprio sistema político, mas ele se apresenta de fora da lama, como o grande pai da Nação, a observar, meio desolado, a sujeira da classe política. O problema da crise, porém, é mesmo o grau de instabilidade que ela traz para o sistema. Nada garante que Lula, até aqui olimpicamente preservado de qualquer denúncia, não venha também ele (ou gente de sua confiança) ser envolvido na história. Como dizem por aí: muita calma nesta hora...

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