Uma boa reflexão sobre o "marketing guerreiro" do governador José Serra (PSDB), que posou com um fuzil belga fazendo mira nos fotógrafos, está no blog Verbo Solto, do jornalista Luiz Weis, e reproduzido abaixo. É uma opinião diferente da que este blog apresentou, mas bem embasada, com foco também na questão da cobertura da imprensa. Sobre este ponto, vale notar que na crítica interna de ontem, o Ombudsman da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães, questionou a falta de uma matéria, na edição em que a foto foi publicada, sobre o ato de Serra empunhar a arma. Na edição de hoje, quinta-feira, a Folha correu atrás e realizou a reportagem reclamada por Magalhães. A seguir, o texto de Weis:
Serra mira e vira alvo
Peço licença para voltar ao assunto que motivou a nota intitulada "De que servem os jornais", publicada na última segunda-feira, 14. Trata-se do fato de a mídia impressa se valer muito pouco do instrumento de que precisa - e está a seu alcance – para enfrentar a barragem de informações instantâneas proporcionada pelas novas tecnologias de informação, em portais, sites, blogues e similares.
E peço licença para repetir o truísmo: nunca antes como hoje, nem mesmo quando a televisão se tornou para zilhões de pessoas a fonte primária de conhecimento do dia a dia em inumeráveis setores da vida, o jornal tem que bater o escanteio e correr para cabecear na área.
Isso significa noticiar e dar a perspectiva da notícia no corpo da própria matéria ou ao lado - sem deixar o trabalho para os comentaristas, colunistas e editorialistas. Porque não é a mesma coisa. Dar profundidade à informação não é, ou não é necessariamente, sinônimo de análise, opinião pessoal e tomada de partido.
Digo mais: minoritárias ou mesmo raras são as notícias de interesse que não possam ser levadas ao leitor com foco aberto. Não precisam ser daquelas de parar as máquinas ou ir para o trono da manchete de primeira página.
Na nota referida, usei o caso de duas noticietas que o jornal que as publicou perdeu a oportunidade de relacionar: uma previsão de definhamento do ex-PFL, porque o principal interesse que representa - o agronegócio - tende a se achegar ao governo por causa dos programas de biocombustível, e o dado sobre o crescimento das bancadas ruralistas no Congresso Nacional.
Hoje meu exemplo tampouco é de um fato arrasa-quarteirão. Mas que só um jornal teve a iniciativa, embora com um dia de atraso, de nele infundir dois dedos de reflexão.
Ontem, Estado e Folha, esta na primeira página, publicaram uma foto do governador paulista José Serra brincando de atirar com um senhor fuzil - o FN 762, de fabricação belga – usado pelos atiradores de elite da PM em casos de seqüestro.
Serra empunhou a arma como quem mira o alvo numa homenagem aos PMs mobilizados para acabar com um espetáculo recente do gênero, em Campinas, que durou 56 horas, fez a festa do sensacionalismo disfarçado de jornalismo da televisão - e teve final feliz.
Trecho da cobertura do Estado: "Ao ver a repórter fotográfica Vivi Zanatta, da Agência Estado, o governador brincou. Apontou o fuzil na direção dela e simulou tiros: pá, pá, pá. Depois explicou: "Nunca segurei uma arma de fogo e nunca disparei um tiro."
Para o jornalismo de baixa criatividade, a história termina aí. Fotos estampadas, situação descrita, aspas acrescidas - página virada. Algo como "a cada dia a sua atribulação".
De mais a mais, que importância pode ter uma brincadeirinha do governador que enfrenta problemas estes sim sérios? Uma peleja por causa do novo previdenciário estadual e está atolado até o pescoço por ter metido os pés pelas mãos no caso da autonomia financeira das universidades paulistas - o que só serviu para deixar os reitores em estado de guerra e exumar o esquerdismo radical de alunos e funcionários no câmpus da USP.
Sendo o que é, porém, a violência marginal e policial no Brasil de hoje, a simulação armada a que o governador se entregou decerto sem pensar duas vezes, não seria o caso de mirar mais fundo no factóide?
Foi o que fez hoje a Folha, na matéria "Imagem de Serra com arma provoca polêmica". Com a ressalva que a polêmica não nasceu da imagem, mas da [acertada] decisão do jornal de ouvir quem de direito a respeito - o presidente do Movimento Viva Brasil, o diretor do Instituto Sou da Paz, o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, um pesquisador do Ilanud [órgão das Nações Unidas para a prevenção da violência e tratamento do delinqüente] e uma pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Importa menos o que cada um disse do que a decisão jornalística de procurá-los para ventilar o problema – para "repercutir" a notícia, desta vez no bom sentido da palavra.
A sensibilidade do jornal consistiu em ligar o nome à pessoa ou conectar os pontos - expressões que usei no meu outro texto. A Folha perguntou-se, implicitamente, se a foto é significativa. Chegou à conclusão que era. E foi apurar que significados ela poderia ter para os estudiosos da violência e os militantes das organizações surgidas para combatê-la.
Quando sustento que esse tipo de approach profissional deve balizar o trabalho de repórteres e editores, mesmo em caso de notícias aparentemente menores, e não ser terceirizada a colunistas, quero chamar a atenção para a diferença entre aprofundar informações e entregá-las ao opinionismo dos colunistas.
A prova de que a segunda abordagem não pode substituir a primeira está, por sinal, na própria Folha de hoje. No alto da nobre página 5 do caderno Brasil, território de caça do veterano Janio de Freitas, ele põe num mesmo saco Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra.
Para ele, a coletiva do presidente foi um espetáculo collorido, em que o entrevistado exibiu auto-suficiência e falta de pudor para tanto elogio oco de si mesmo.
A encenação de Serra também: "Uma sujeição ao marquetismo leviano de Collor, da qual ninguém o suporia capaz, até alguns anos."
Cada leitor que julgue as associações assacadas contra o presidente e o governador. Para mim, soam como correlações espúrias - mas minha opinião vale tanto quanto a de qualquer um. O ponto que interessa ao crítico de mídia é outro: como ficaria o jornal se a coluna de Janio fosse o único lugar na edição de hoje onde se comentaria o polêmico ato de Serra?
Serra mira e vira alvo
Peço licença para voltar ao assunto que motivou a nota intitulada "De que servem os jornais", publicada na última segunda-feira, 14. Trata-se do fato de a mídia impressa se valer muito pouco do instrumento de que precisa - e está a seu alcance – para enfrentar a barragem de informações instantâneas proporcionada pelas novas tecnologias de informação, em portais, sites, blogues e similares.
E peço licença para repetir o truísmo: nunca antes como hoje, nem mesmo quando a televisão se tornou para zilhões de pessoas a fonte primária de conhecimento do dia a dia em inumeráveis setores da vida, o jornal tem que bater o escanteio e correr para cabecear na área.
Isso significa noticiar e dar a perspectiva da notícia no corpo da própria matéria ou ao lado - sem deixar o trabalho para os comentaristas, colunistas e editorialistas. Porque não é a mesma coisa. Dar profundidade à informação não é, ou não é necessariamente, sinônimo de análise, opinião pessoal e tomada de partido.
Digo mais: minoritárias ou mesmo raras são as notícias de interesse que não possam ser levadas ao leitor com foco aberto. Não precisam ser daquelas de parar as máquinas ou ir para o trono da manchete de primeira página.
Na nota referida, usei o caso de duas noticietas que o jornal que as publicou perdeu a oportunidade de relacionar: uma previsão de definhamento do ex-PFL, porque o principal interesse que representa - o agronegócio - tende a se achegar ao governo por causa dos programas de biocombustível, e o dado sobre o crescimento das bancadas ruralistas no Congresso Nacional.
Hoje meu exemplo tampouco é de um fato arrasa-quarteirão. Mas que só um jornal teve a iniciativa, embora com um dia de atraso, de nele infundir dois dedos de reflexão.
Ontem, Estado e Folha, esta na primeira página, publicaram uma foto do governador paulista José Serra brincando de atirar com um senhor fuzil - o FN 762, de fabricação belga – usado pelos atiradores de elite da PM em casos de seqüestro.
Serra empunhou a arma como quem mira o alvo numa homenagem aos PMs mobilizados para acabar com um espetáculo recente do gênero, em Campinas, que durou 56 horas, fez a festa do sensacionalismo disfarçado de jornalismo da televisão - e teve final feliz.
Trecho da cobertura do Estado: "Ao ver a repórter fotográfica Vivi Zanatta, da Agência Estado, o governador brincou. Apontou o fuzil na direção dela e simulou tiros: pá, pá, pá. Depois explicou: "Nunca segurei uma arma de fogo e nunca disparei um tiro."
Para o jornalismo de baixa criatividade, a história termina aí. Fotos estampadas, situação descrita, aspas acrescidas - página virada. Algo como "a cada dia a sua atribulação".
De mais a mais, que importância pode ter uma brincadeirinha do governador que enfrenta problemas estes sim sérios? Uma peleja por causa do novo previdenciário estadual e está atolado até o pescoço por ter metido os pés pelas mãos no caso da autonomia financeira das universidades paulistas - o que só serviu para deixar os reitores em estado de guerra e exumar o esquerdismo radical de alunos e funcionários no câmpus da USP.
Sendo o que é, porém, a violência marginal e policial no Brasil de hoje, a simulação armada a que o governador se entregou decerto sem pensar duas vezes, não seria o caso de mirar mais fundo no factóide?
Foi o que fez hoje a Folha, na matéria "Imagem de Serra com arma provoca polêmica". Com a ressalva que a polêmica não nasceu da imagem, mas da [acertada] decisão do jornal de ouvir quem de direito a respeito - o presidente do Movimento Viva Brasil, o diretor do Instituto Sou da Paz, o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, um pesquisador do Ilanud [órgão das Nações Unidas para a prevenção da violência e tratamento do delinqüente] e uma pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Importa menos o que cada um disse do que a decisão jornalística de procurá-los para ventilar o problema – para "repercutir" a notícia, desta vez no bom sentido da palavra.
A sensibilidade do jornal consistiu em ligar o nome à pessoa ou conectar os pontos - expressões que usei no meu outro texto. A Folha perguntou-se, implicitamente, se a foto é significativa. Chegou à conclusão que era. E foi apurar que significados ela poderia ter para os estudiosos da violência e os militantes das organizações surgidas para combatê-la.
Quando sustento que esse tipo de approach profissional deve balizar o trabalho de repórteres e editores, mesmo em caso de notícias aparentemente menores, e não ser terceirizada a colunistas, quero chamar a atenção para a diferença entre aprofundar informações e entregá-las ao opinionismo dos colunistas.
A prova de que a segunda abordagem não pode substituir a primeira está, por sinal, na própria Folha de hoje. No alto da nobre página 5 do caderno Brasil, território de caça do veterano Janio de Freitas, ele põe num mesmo saco Fernando Collor, Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra.
Para ele, a coletiva do presidente foi um espetáculo collorido, em que o entrevistado exibiu auto-suficiência e falta de pudor para tanto elogio oco de si mesmo.
A encenação de Serra também: "Uma sujeição ao marquetismo leviano de Collor, da qual ninguém o suporia capaz, até alguns anos."
Cada leitor que julgue as associações assacadas contra o presidente e o governador. Para mim, soam como correlações espúrias - mas minha opinião vale tanto quanto a de qualquer um. O ponto que interessa ao crítico de mídia é outro: como ficaria o jornal se a coluna de Janio fosse o único lugar na edição de hoje onde se comentaria o polêmico ato de Serra?
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