O texto abaixo está no blog do jornalista Mino Carta e vale a pena ser lido até o final. Quando morre alguém do quilate de Octavio Frias de Oliveira, dono do Grupo Folha, os obituários versam apenas sobre as virtudes do falecido. Mino escreve também sobre as virtudes, mas tem a coragem de apontar alguns defeitos. Um retrato mais real, no mínimo. A seguir, na íntegra, o bom perfil escrito por quem conheceu Frias de Oliveira de perto:
Octavio Frias de Oliveira
Conheci Octavio Frias de Oliveira em fevereiro de 1976. Acabava de sair da Veja e fui visitar Claudio Abramo, o amigo fraterno, no seu gabinete na Folha de S.Paulo. Ele me propôs mudar para lá para assumir o posto de redator-chefe, fiquei muito tocado, mas respondi que meu propósito naquele momento era aproveitar uma pausa para pensar na vida. Claudio ligou para “o Frias”, queria que eu o conhecesse. O Frias logo chegou, cordial, expressivo até, com aquele sorriso de ponta de lábios e olhos brilhantes atrás das lentes. Falamos da velha amizade que me ligava ao Claudio, ele sublinhou: “Sou expert em Claudio Abramo”. Pretendia dizer do seu perfeito conhecimento dos humores instáveis do amigo diretor de redação, e da melhor maneira de lidar com eles. Acabei por topar uma colaboração com a Folha, escrevia artigos na segunda página e, às vezes, ia até a redação no fim da noite e lá ficava horas a fio, para ajudar o Claudio no fechamento. Frias surgia em cena com freqüência, um dia me pediu para escrever um editorial depois de explicar o que desejava transmitir aos leitores. Sabia das minhas idéias, não batiam com as dele, mas jamais tentou doutrinar-me. Depois do fracasso do Jornal da República, quando finalmente saí da Istoé, por obra e graça (especialmente graça) do desentendimento com Fernando Moreira Salles, que se tornara dono da revista ao pagar a dívida do jornal, Frias me chamou para uma conversa à beira de uma garrafa de uísque. Não tomei, serviu-me vinho branco. Comentou: “Você não é mais um menino, seu tempo de criar revistas acabou, venha trabalhar com a gente”. Acertamos uma colaboração fixa, teria de escrever cinco artigos semanais, sobre os mais variados assuntos, aqueles que pudessem chamar a minha atenção. Escrevi sobre política, cinema, comportamento. Sempre com total independência. Quando surgiu a oportunidade de criar outra revista, a Senhor semanal, em requintado papel-bíblia, fui despedir-me, ele sorriu na ponta dos lábios e admitiu: “Você vê, eu estava errado”. Minha relação com ele foi sempre excelente, ao me encontrar me abraçava. Não faz muito tempo, em 2005, um jornalista da Folha escreveu a meu respeito um texto virulento em que me comparava com Odorico Paraguassu, a caricata e famigerada personagem de programas da Globo de outrora. Como escrevi em abril de 2006: “Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, ofereceu o mesmo espaço, na mesma página, à minha defesa, que saiu pontualmente”. Por isso, acrescentava: “agrada-me saber que cabe a ele, conferido na noite de 3 de abril, o Prêmio de Personalidade de Comunicação de 2006”. Não é fácil, no Brasil, escrever sobre falecidos ilustres sem louvar qualidades e esquecer defeitos. Mas é assim que considero “o Frias”, uma autêntica personalidade de comunicação. E entre os seus pares foi, no meu entendimento, um dos mais corteses no trato e democráticos na lida com os profissionais. O problema central do jornalismo brasileiro está na concepção mais ou menos medieval do poder e na falta de leis que, de uma forma ou de outra, o limitem. Não cabia a ele, porém, resolvê-lo por conta própria. Erros certamente os cometeu, bem além daquele de prever que minha carreira de diretor de revistas estava encerrada aos 46 anos. Enxergo três, muito claros. Primeiro, a parceria com Carlos Caldeira Filho. Talvez fosse sócio recomendável em outro ramo de negócios, não se diga o mesmo em relação ao jornalismo. A ligação de Caldeira com os ditos falcões da ditadura é notória e lança uma sombra sobre a orientação da empresa e dos seus veículos no decorrer da época mais aguda da repressão, da tortura e da censura. A Folha, aliás, nunca foi censurada e só veio a ser submetida a pressões quando, em 1977, o colunista Lourenço Diaféria escreveu um texto considerado injurioso pelos militares, ao dizer que a espada do monumento eqüestre do Duque de Caxias estava oxidada. Era metáfora, e os generais, por incrível que pareça, perceberam. Em compensação, a Folha da Tarde por longuíssimo tempo foi uma espécie de boletim do DOPS e Cia. O segundo erro foi aceitar as pressões do general Hugo Abreu e tomar o partido do general Silvio Frota no atormentado enredo da sucessão presidencial do ditador de plantão Ernesto Geisel. O terceiro foi também conseqüência destas pressões, a demissão de Claudio Abramo, a 17 de setembro de 1977, 25 dias antes da queda de Frota do ministério do Exército.
Octavio Frias de Oliveira
Conheci Octavio Frias de Oliveira em fevereiro de 1976. Acabava de sair da Veja e fui visitar Claudio Abramo, o amigo fraterno, no seu gabinete na Folha de S.Paulo. Ele me propôs mudar para lá para assumir o posto de redator-chefe, fiquei muito tocado, mas respondi que meu propósito naquele momento era aproveitar uma pausa para pensar na vida. Claudio ligou para “o Frias”, queria que eu o conhecesse. O Frias logo chegou, cordial, expressivo até, com aquele sorriso de ponta de lábios e olhos brilhantes atrás das lentes. Falamos da velha amizade que me ligava ao Claudio, ele sublinhou: “Sou expert em Claudio Abramo”. Pretendia dizer do seu perfeito conhecimento dos humores instáveis do amigo diretor de redação, e da melhor maneira de lidar com eles. Acabei por topar uma colaboração com a Folha, escrevia artigos na segunda página e, às vezes, ia até a redação no fim da noite e lá ficava horas a fio, para ajudar o Claudio no fechamento. Frias surgia em cena com freqüência, um dia me pediu para escrever um editorial depois de explicar o que desejava transmitir aos leitores. Sabia das minhas idéias, não batiam com as dele, mas jamais tentou doutrinar-me. Depois do fracasso do Jornal da República, quando finalmente saí da Istoé, por obra e graça (especialmente graça) do desentendimento com Fernando Moreira Salles, que se tornara dono da revista ao pagar a dívida do jornal, Frias me chamou para uma conversa à beira de uma garrafa de uísque. Não tomei, serviu-me vinho branco. Comentou: “Você não é mais um menino, seu tempo de criar revistas acabou, venha trabalhar com a gente”. Acertamos uma colaboração fixa, teria de escrever cinco artigos semanais, sobre os mais variados assuntos, aqueles que pudessem chamar a minha atenção. Escrevi sobre política, cinema, comportamento. Sempre com total independência. Quando surgiu a oportunidade de criar outra revista, a Senhor semanal, em requintado papel-bíblia, fui despedir-me, ele sorriu na ponta dos lábios e admitiu: “Você vê, eu estava errado”. Minha relação com ele foi sempre excelente, ao me encontrar me abraçava. Não faz muito tempo, em 2005, um jornalista da Folha escreveu a meu respeito um texto virulento em que me comparava com Odorico Paraguassu, a caricata e famigerada personagem de programas da Globo de outrora. Como escrevi em abril de 2006: “Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, ofereceu o mesmo espaço, na mesma página, à minha defesa, que saiu pontualmente”. Por isso, acrescentava: “agrada-me saber que cabe a ele, conferido na noite de 3 de abril, o Prêmio de Personalidade de Comunicação de 2006”. Não é fácil, no Brasil, escrever sobre falecidos ilustres sem louvar qualidades e esquecer defeitos. Mas é assim que considero “o Frias”, uma autêntica personalidade de comunicação. E entre os seus pares foi, no meu entendimento, um dos mais corteses no trato e democráticos na lida com os profissionais. O problema central do jornalismo brasileiro está na concepção mais ou menos medieval do poder e na falta de leis que, de uma forma ou de outra, o limitem. Não cabia a ele, porém, resolvê-lo por conta própria. Erros certamente os cometeu, bem além daquele de prever que minha carreira de diretor de revistas estava encerrada aos 46 anos. Enxergo três, muito claros. Primeiro, a parceria com Carlos Caldeira Filho. Talvez fosse sócio recomendável em outro ramo de negócios, não se diga o mesmo em relação ao jornalismo. A ligação de Caldeira com os ditos falcões da ditadura é notória e lança uma sombra sobre a orientação da empresa e dos seus veículos no decorrer da época mais aguda da repressão, da tortura e da censura. A Folha, aliás, nunca foi censurada e só veio a ser submetida a pressões quando, em 1977, o colunista Lourenço Diaféria escreveu um texto considerado injurioso pelos militares, ao dizer que a espada do monumento eqüestre do Duque de Caxias estava oxidada. Era metáfora, e os generais, por incrível que pareça, perceberam. Em compensação, a Folha da Tarde por longuíssimo tempo foi uma espécie de boletim do DOPS e Cia. O segundo erro foi aceitar as pressões do general Hugo Abreu e tomar o partido do general Silvio Frota no atormentado enredo da sucessão presidencial do ditador de plantão Ernesto Geisel. O terceiro foi também conseqüência destas pressões, a demissão de Claudio Abramo, a 17 de setembro de 1977, 25 dias antes da queda de Frota do ministério do Exército.
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