Pular para o conteúdo principal

Passagens: problemão para o Congresso

A história das passagens aéreas cedidas a torto e a direito pelos parlamentares das duas casas do legislativo federal é uma questão mais complicada de ser resolvida do que aparenta. Até agora, as ideias para o "pacote moralizador" que o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP) pretende implementar estão muito aquém do que a opinião pública espera, que é o veto, puro e simples, à permissão que os deputados e senadores têm para ceder passagens ou embolsá-las como crédito (no fundo, como dinheiro mesmo). Qualquer solução intermediária é ruim. Pior, já há quem defenda, na mídia e no Ministério Público, que os parlamentares devolvam os recursos que foram gastos indevidamente, o que já provocou um certo pânico no Congresso.

Politicamente, o grande problema é que não há um grupo que possa estufar o peito e assumir, de cara limpa, a bandeira da moralidade, porque neste caso particular todos, sem exceção, se locupletaram. Cabe aqui, aliás, um parenteses: o PSOL argumenta que vai continuar dando passagens ao delegado Protógenes porque seriam atividades relacionadas ao mandato dos deputados que teriam oferecido os bilhetes. Pois o PSOL está errado, as passagens devem ser de uso exclusivo do parlamentar, e não do mandato. Este é o procedimento moralmente correto e que precisa ser urgentemente regulamentado. Ademais, ninguém investigou ainda como foram utilizadas as passagens de outros parlamentares do partido - Luciana Genro (RS) já se adiantou e confessou ter cedido o benefício ao delegado.

Parenteses fechado, a verdade é que do DEM ao PSOL, ninguém está em condições de dizer "desta água nunca bebi". O deputado ACM Neto (DEM-BA), Corregedor da Câmara, por exemplo, disse à Folha de S. Paulo: Não há ilícito. A passagem era vista como uma vantagem do parlamentar, que economiza. Não tem que devolver porque não houve erro. A Casa toda fez. Acho que está na hora de a Casa ter coragem de se defender. Estão colocando nomes de pessoas sérias como se fossem bandidos! Acho que a imprensa quer fechar o Congresso."

Ora, se o sujeito que será responsável pela apuração dos casos denunciados não acredita que houve ilícito e afirma que "a Casa toda fez", é realmente difícil imaginar uma solução mais dura para a farra, conforme deseja a opinião pública. Estão todos acuados, sem saber direito para onde correr. A situação lembra a do marido (ou mulher) flagrado em adultério e que vai logo dizendo "posso explicar tudo"... Não há explicação possível, a única coisa que dá para fazer é reconhecer a falta e propor o fim da lambança para o futuro. Nem os tais "parlamentares éticos", bem menos éticos do que se imaginava, têm moral neste momento para propor regras intermediárias.

Assim, como ninguém tem força política para propor o que seria a real solução do problema, a pressão do baixo clero pela permanência da mamata, ou pelo menos de parte dela, poderá repercutir nas lideranças que de fato decide as coisas no Congresso. No fundo, Câmara e Senado estão em uma sinuca de bico. Ou acabam com a farra e criam um clima muito ruim internamente ou se verão pressionados pela opinião pública, com grande risco de desmoralização completa. ]

Por fim, o presidente Lula, que não tem nada com isto, é o grande beneficiário do imbróglio, pois nada é melhor para o chefe do Executivo, qualquer que seja ele, do que um legislativo fraco.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe