Abaixo, mais um artigo do autor do blog para o Observatório da Imprensa. Na íntegra, para os leitores do Entrelinhas.
JORNALISMO ECONÔMICO
A crise no Brasil e a mídia sem bússola
Por Luiz Antonio Magalhães em 21/4/2009
No dia 11 de março de 2009, a Folha de S. Paulo publicou na manchete, em quatro colunas – as outras duas estavam ocupadas por um infográfico desolador, conforme se pode observar na figura abaixo –, o seguinte título: "Queda do PIB no Brasil é uma das piores do mundo". Na tarde do mesmo dia, a fatídica quarta-feira (11/3), a Folha Online, site do jornal na internet, informava algo ainda pior: "Brasil é o segundo mais atingido pela crise, aponta estudo da Fiesp". O estudo, que pode ser acessado aqui, revelava que só a economia da Coréia do Sul estava em situação pior do que a brasileira.
Pouco mais de um mês depois, no domingo (19/4), O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem que também mereceu destaque como manchete do jornal. "Investidor externo faz Bovespa liderar ganhos", dizia o título, acompanhado da seguinte "linha fina", como se diz no jargão das redações: "Bolsa de SP se torna a mais rentável do mundo; real se valoriza".
O lide da matéria não deixa dúvidas. "A melhora de humor nos mercados internacionais nas últimas semanas trouxe o investidor estrangeiro de volta ao Brasil e colocou os principais ativos do País em destaque no mundo. Do início do ano para cá, a bolsa brasileira é a que tem os maiores ganhos do planeta e o real é a moeda com a terceira maior valorização ante o dólar. Se a máxima segundo a qual o mercado financeiro antecipa o que ocorrerá meses depois na economia real for mesmo verdadeira, os brasileiros podem ter razão para algum alívio, em meio a tantas notícias negativas."
Fundo do poço
É evidente que a crise mundial é muito complexa. Também é certo que os efeitos das turbulências na economia brasileira ainda não cessaram – há quem diga que na verdade ainda nem começaram. Tudo isto é verdade, mas nada justifica que no prazo de quarenta dias o Brasil passasse da categoria de "segunda nação mais afetada pelos efeitos da crise" para a posição de "porto seguro dos investidores estrangeiros". Alguma coisa está errada, muito errada nesta história toda.
E o erro provavelmente é da imprensa. Os jornalões, à exceção do especializado Valor Econômico, cuja cobertura tem se mostrado correta e equilibrada, não consegue acompanhar direito o que está acontecendo no Brasil, na economia real. De um lado, qualquer fato ruim nos Estados Unidos ou estatística negativa por aqui mesmo é magnificado por alguns veículos, que praticamente celebram as piores notícias. Em geral, o que está por trás dessa postura é a ideia de que o velho e surrado "quanto pior, melhor" vai ajudar a desalojar o atual governo do Palácio do Planalto em 2010. Por outro lado, veículos alinhados com o governo correm a apresentar qualquer pequena recuperação no campo do emprego, renda, vendas e produção industrial como se o pior já tivesse sido superado e a crise não passasse mesmo de uma "marolinha".
Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. O Brasil sem dúvida não foi o "segundo mais afetado" pelo terremoto financeiro cujo epicentro foi Wall Street, mas também não escapou incólume. E os efeitos ainda não estão claros, como também não é possível dizer que as coisas já estão melhorando. É só ler os bons colunistas lá da terra do Tio Sam para perceber que a preocupação deles ainda é muito grande e que, na real, ninguém tem a menor idéia se o fundo do poço já foi atingido — ou se ainda há muito para cair.
Além das movimentações puramente ideológicas – para atacar ou defender o governo Lula –, no que diz respeito ao comportamento da grande imprensa nacional é possível avançar um pouco mais na análise. De forma geral, os jornalões parecem ter perdido a bússola, estão sem norte. Faz cada vez mais falta nas redações gente experimentada, com vivência de crises econômicas – e não foram poucas na história recente do Brasil. Profissionais capazes de perceber o que os números de fato significam e de oferecer ao leitor uma interpretação justa do que vai pelos vários setores da economia nacional – os craques em manipular as cifras de acordo com a postura em relação ao governo estão todos em campo, atuantes.
Um pequeno exemplo da falta de norte de alguns veículos está na cobertura do setor automotivo, um dos mais afetados pela crise. Já analisamos aqui o exemplo da venda e produção de automóveis, em março. Enquanto a maior parte dos jornalões insiste em dizer que as espetaculares vendas no mês passado foram "antecipação de compra" em função do fim da isenção de IPI (quanto toda a torcida do Flamengo sabia que o governo prorrogaria o benefício), o Valor correu atrás e publicou na semana passada uma interessante reportagem mostrando que os primeiros números de abril indicam aquecimento nas vendas de carros novos semelhante ao verificado em março, derrubando assim a tese, encampada principalmente pela Folha, de "antecipação de compras".
A função dos jornalistas que cobrem economia é auxiliar o leitor a entender o que está acontecendo à sua volta. É mais fácil para o grande público entender as questões que aparecem nos cadernos de Esporte, Cidades e Política. Economia em geral é visto como um assunto árido, chato e repleto de números que podem ser facilmente manipulados. Uma cobertura equilibrada deve contextualizar os eventos e ajudar o leitor — seja ele um pequeno poupador, um assalariado sem poupança alguma ou um grande empresário — a se preparar para o que vem pela frente.
No contexto da atual crise, do ponto de vista da imprensa, pintar o cenário de cor de rosa ou vender o fim do mundo para depois de amanhã são posturas apenas estúpidas, porque no fim acabarão arranhando o ativo que os veículos mais precisam para sobreviver e pensar em crescer: a credibilidade. É altamente provável que a evolução dos acontecimentos mostre uma realidade bem menos "preto ou branco" e se revele em vários tons de cinza: nem a marolinha do presidente Lula, tampouco o tsunami avassalador que a oposição tanto deseja (mas evita assumir). A corrida é longa, não são cem ou cinquenta metros. Os que se preocuparem em manchetar o Armagedon serão desmentidos a cada duas semanas. A turma do "pior já passou" pode ter de explicar os vales logo adiante. Quem tiver fôlego para bancar a investigação cotidiana e profunda do cenário econômico vai se dar bem. Alguns já estão neste caminho.
JORNALISMO ECONÔMICO
A crise no Brasil e a mídia sem bússola
Por Luiz Antonio Magalhães em 21/4/2009
No dia 11 de março de 2009, a Folha de S. Paulo publicou na manchete, em quatro colunas – as outras duas estavam ocupadas por um infográfico desolador, conforme se pode observar na figura abaixo –, o seguinte título: "Queda do PIB no Brasil é uma das piores do mundo". Na tarde do mesmo dia, a fatídica quarta-feira (11/3), a Folha Online, site do jornal na internet, informava algo ainda pior: "Brasil é o segundo mais atingido pela crise, aponta estudo da Fiesp". O estudo, que pode ser acessado aqui, revelava que só a economia da Coréia do Sul estava em situação pior do que a brasileira.
Pouco mais de um mês depois, no domingo (19/4), O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem que também mereceu destaque como manchete do jornal. "Investidor externo faz Bovespa liderar ganhos", dizia o título, acompanhado da seguinte "linha fina", como se diz no jargão das redações: "Bolsa de SP se torna a mais rentável do mundo; real se valoriza".
O lide da matéria não deixa dúvidas. "A melhora de humor nos mercados internacionais nas últimas semanas trouxe o investidor estrangeiro de volta ao Brasil e colocou os principais ativos do País em destaque no mundo. Do início do ano para cá, a bolsa brasileira é a que tem os maiores ganhos do planeta e o real é a moeda com a terceira maior valorização ante o dólar. Se a máxima segundo a qual o mercado financeiro antecipa o que ocorrerá meses depois na economia real for mesmo verdadeira, os brasileiros podem ter razão para algum alívio, em meio a tantas notícias negativas."
Fundo do poço
É evidente que a crise mundial é muito complexa. Também é certo que os efeitos das turbulências na economia brasileira ainda não cessaram – há quem diga que na verdade ainda nem começaram. Tudo isto é verdade, mas nada justifica que no prazo de quarenta dias o Brasil passasse da categoria de "segunda nação mais afetada pelos efeitos da crise" para a posição de "porto seguro dos investidores estrangeiros". Alguma coisa está errada, muito errada nesta história toda.
E o erro provavelmente é da imprensa. Os jornalões, à exceção do especializado Valor Econômico, cuja cobertura tem se mostrado correta e equilibrada, não consegue acompanhar direito o que está acontecendo no Brasil, na economia real. De um lado, qualquer fato ruim nos Estados Unidos ou estatística negativa por aqui mesmo é magnificado por alguns veículos, que praticamente celebram as piores notícias. Em geral, o que está por trás dessa postura é a ideia de que o velho e surrado "quanto pior, melhor" vai ajudar a desalojar o atual governo do Palácio do Planalto em 2010. Por outro lado, veículos alinhados com o governo correm a apresentar qualquer pequena recuperação no campo do emprego, renda, vendas e produção industrial como se o pior já tivesse sido superado e a crise não passasse mesmo de uma "marolinha".
Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. O Brasil sem dúvida não foi o "segundo mais afetado" pelo terremoto financeiro cujo epicentro foi Wall Street, mas também não escapou incólume. E os efeitos ainda não estão claros, como também não é possível dizer que as coisas já estão melhorando. É só ler os bons colunistas lá da terra do Tio Sam para perceber que a preocupação deles ainda é muito grande e que, na real, ninguém tem a menor idéia se o fundo do poço já foi atingido — ou se ainda há muito para cair.
Além das movimentações puramente ideológicas – para atacar ou defender o governo Lula –, no que diz respeito ao comportamento da grande imprensa nacional é possível avançar um pouco mais na análise. De forma geral, os jornalões parecem ter perdido a bússola, estão sem norte. Faz cada vez mais falta nas redações gente experimentada, com vivência de crises econômicas – e não foram poucas na história recente do Brasil. Profissionais capazes de perceber o que os números de fato significam e de oferecer ao leitor uma interpretação justa do que vai pelos vários setores da economia nacional – os craques em manipular as cifras de acordo com a postura em relação ao governo estão todos em campo, atuantes.
Um pequeno exemplo da falta de norte de alguns veículos está na cobertura do setor automotivo, um dos mais afetados pela crise. Já analisamos aqui o exemplo da venda e produção de automóveis, em março. Enquanto a maior parte dos jornalões insiste em dizer que as espetaculares vendas no mês passado foram "antecipação de compra" em função do fim da isenção de IPI (quanto toda a torcida do Flamengo sabia que o governo prorrogaria o benefício), o Valor correu atrás e publicou na semana passada uma interessante reportagem mostrando que os primeiros números de abril indicam aquecimento nas vendas de carros novos semelhante ao verificado em março, derrubando assim a tese, encampada principalmente pela Folha, de "antecipação de compras".
A função dos jornalistas que cobrem economia é auxiliar o leitor a entender o que está acontecendo à sua volta. É mais fácil para o grande público entender as questões que aparecem nos cadernos de Esporte, Cidades e Política. Economia em geral é visto como um assunto árido, chato e repleto de números que podem ser facilmente manipulados. Uma cobertura equilibrada deve contextualizar os eventos e ajudar o leitor — seja ele um pequeno poupador, um assalariado sem poupança alguma ou um grande empresário — a se preparar para o que vem pela frente.
No contexto da atual crise, do ponto de vista da imprensa, pintar o cenário de cor de rosa ou vender o fim do mundo para depois de amanhã são posturas apenas estúpidas, porque no fim acabarão arranhando o ativo que os veículos mais precisam para sobreviver e pensar em crescer: a credibilidade. É altamente provável que a evolução dos acontecimentos mostre uma realidade bem menos "preto ou branco" e se revele em vários tons de cinza: nem a marolinha do presidente Lula, tampouco o tsunami avassalador que a oposição tanto deseja (mas evita assumir). A corrida é longa, não são cem ou cinquenta metros. Os que se preocuparem em manchetar o Armagedon serão desmentidos a cada duas semanas. A turma do "pior já passou" pode ter de explicar os vales logo adiante. Quem tiver fôlego para bancar a investigação cotidiana e profunda do cenário econômico vai se dar bem. Alguns já estão neste caminho.
"Por outro lado, veículos alinhados com o governo correm a apresentar qualquer pequena recuperação no campo do emprego, renda, vendas e produção industrial como se o pior já tivesse sido superado e a crise não passasse mesmo de uma "marolinha"". Voce pode por favor me apontar 1 (um), somente um veículo que esteja alinhado com o governo.
ResponderExcluir"Por outro lado, veículos alinhados com o governo correm a apresentar qualquer pequena recuperação no campo do emprego, renda, vendas e produção industrial como se o pior já tivesse sido superado e a crise não passasse mesmo de uma "marolinha"" Voce pode me indicar um (somente 1) veículo alinhado com o governo lula (não vale jornal de sindicato.
ResponderExcluirWagner
"Por outro lado, veículos alinhados com o governo correm a apresentar qualquer pequena recuperação no campo do emprego, renda, vendas e produção industrial como se o pior já tivesse sido superado e a crise não passasse mesmo de uma "marolinha"
ResponderExcluirRepito a indagação do Wagner: você pode me indicar um (somente 1) veículo alinhado com o governo Lula?
João Carlos
Caríssimos,
ResponderExcluirÉ evidente que há veículos mais alinhados com o governo. Carta Capital, revista Brasileiros, Caros Amigos são alguns exemplos. De fato, na grande imprensa a maioria esmagadora faz em maior ou menor grau oposição ao governo Lula.
Obrigado pela audiência.
Luiz Antonio Magalhães