Pular para o conteúdo principal

Elle está de volta

O texto abaixo foi publicado neste blog em 4 de março deste ano e se reporta a outro comentário, de dois anos antes, início de 2007. Vale a pena ler antes de seguir ao final deste post, porque hoje, 3 de agosto de 2009, foi um dia histórico. O que se viu no Senado não foi algo normal. Foi história. E Fernando Collor de Mello, que já faz parte da nossa história, está de volta. Querendo voltar, a bem da verdade. Antes de continuar com a análise, segue o texto do início do ano e o de dois anos atrás. Os dois são essenciais para a compreensão do que vem depois.

Elle continua tentando voltar
Dois anos atrás, o autor destas mal traçadas escreveu, neste mesmo espaço, o comentário que vai abaixo. O texto continua bastante atual e nesta quarta-feira (4/3/09), Fernando Collor de Mello deu mais um passo importante em sua trajetória política ao vencer a disputa com a petista Ideli Salvatti e garantir a presidência de uma comissão permanente do Senado, a de Infraestrutura. É um passo e tanto, pois no fundo Collor passa à condição de senador de primeiro time - sim, líderes e presidentes de comissões recebem tratamento diferenciado, especialmente na cobertura da imprensa. Em outras palavras, a presidência da Comissão de Infraestrutura vai garantir neste ano pré-eleitoral uma boa visibilidade ao ex-presidente. O próximo passo pode ser o governo de Alagoas. E depois... Collor é jovem, tem tempo de sobra para planejar o seu retorno ao palácio do Planalto. Se vai ser bem sucedido ou não são outros quinhentos.

Collor: passado e futuro

Fernando Collor de Mello (PTB-AL) realizou nesta quinta-feira, exatamente 17 anos depois de tomar posse na presidência da República, o movimento final na sua longa e delicada operação para voltar ao cenário político brasileiro com alguma relevância e chance de recuperar o poder perdido em 1992. Collor fez o seu primeiro discurso como senador da República e falou sobre o momento mais importante que viveu – o impeachment, primeiro e único na história do País. O que se viu foi um Collor comedido no tom – ele nem de longe lembrou o efusivo orador de 1989 e se limitou a ler as 99 páginas cuidadosamente redigidas – , mas decidido a mostrar a sua indignação com a "farsa" que teria sido o processo de impeachment. Também afirmou que foi vítima de "preconceito" e "abusos ", lembrando que não perdeu um único processo na Justiça.
De fato, Collor foi absolvido no Supremo e muita gente séria na área jurídica considera a votação do impeachment após a renúncia do então presidente um absurdo lógico e uma arbitrariedade dos senadores. A verdade é que a condenação foi política e Collor já pagou a pena a que foi condenado. Há quatro anos, começou a tentativa de voltar para a cena política, mas perdeu a eleição para o governo de Alagoas. No ano passado, conseguiu se eleger senador pelo seu estado e dispõe agora de um excelente palanque em Brasília para tentar voar mais alto.
Collor pode ser muita coisa, mas bobo, não é. No discurso desta quinta-feira, depois de posar de vítima, reconheceu seus erros no relacionamento com o Congresso e terminou citando William Shakespeare: “Hoje, posso virar definitivamente aquelas páginas doídas de minha vida pública e, finalmente, invocar o personagem Marco Antônio, na peça 'Julio César': “I come to bury Cæsar, not to praise him”. (Vim para enterrar o Cesar, não para exaltá-lo) Como ele, Senhor Presidente, senhoras e senhores Senadores, não vim lastimar o passado. Vim para sepultar de vez essa dolorosa lembrança.”
O ex-presidente sabe que está no início de seu recomeço. Sepultar a dolorosa lembrança é apenas parte deste trabalho. Collor já avisou que vai tentar recuperar a credibilidade perdida em 1992. Para tanto, ele aposta em novas bandeiras: logo nos primeiros dias de atuação no Senado, procurou se inserir nas comissões permanentes que lidam com temas ambientais e sinalizou que pretende entrar para valer neste debate. Um dia antes de seu histórico discurso, por exemplo, Collor coordenou uma audiência pública na Subcomissão Permanente de Acompanhamento do Regime Internacional de Mudanças Climáticas com o físico José Goldemberg, ministro em sua gestão, sobre a necessidade de atualização do Protocolo de Kyoto. Nitidamente, Collor quer repetir a fórmula de Al Gore e se apresentar, mais uma vez, como um político moderno, arrojado e bem intencionado. Pode parecer difícil imaginar uma volta do ex-presidente ao poder, mas é bom não subestimar a capacidade de convencimento de Fernando Collor de Mello.

É realmente bom não subestimar Fernando Collor. Na tarde desta segunda-feira, 3 de agosto, ele deu um verdadeiro show na tribuna do Senado. Poucos, muito poucos, são capazes de fazer o que Collor fez: calar a boca de um parlamentar experiente e desbocado como Pedro Simon (PMDB-RS). E não ficou só nisto. Collor voltou a demonstrar o talento de orador que o levou à presidência da República.

Tolice achar que qualquer um consegue se eleger presidente da República em um país como o Brasil. Lula não perdeu de Collor apenas porque o ex-presidente teve apoio dos grandes grupos de mídia ou porque jogou baixo na reta final da campanha. Perdeu porque Fernando Collor conseguiu convencer o povão de que podia ser uma alternativa real para melhorar a situação do país. Covas, Ulysses, Aureliano e Afif - os outros candidatos do status quo em 1989 - não conseguiram convencer o eleitorado e ficaram pelo caminho. Collor conseguiu se sobressair ao lado de dois outros líderes muito carismáticos - o próprio Lula e Brizola. É mesmo bobagem tentar diminuir o talento do senador alagoano, pois ele de fato tem uma capacidade de comunicação que o torna diferenciado na política brasileira. Jânio Quadros era assim também e isto não faz do ex-prefeito paulistano um grande brasileiro. Mas que tinha talento, é inegável.

Da mesma maneira que Jânio, é óbvio que Collor desperdiçou em seu desastroso governo a chance de passar para a história como um grande líder. As semelhanças são muitas. Ambos viveram um período de ostracismo e tiveram de recomeçar de baixo. Jânio perdeu o governo de São Paulo em 1982, Collor disputou o das Alagoas e não conseguiu se eleger em 2002. Jânio voltou ao cenário nacional ao derrotar Fernando Henrique e se tornar prefeito de São Paulo, em 1985; Collor finalmente se elegeu senador em 2006. Se não estivesse doente, Jânio provavelmente teria disputado a presidência em 1989. Era o preferido de Roberto Marinho.

Muita gente duvida que Collor possa voltar à presidência. Este blog acha que o ex-presidente tem carisma e competência para tanto, basta que as circunstâncias lhes sejam favoráveis. E ele está trabalhando para se recolocar, à espera de que os ventos soprem para o seu lado. Se haverá um novo momento para Collor é algo que a história vai contar. Quanto mais turbulento o cenário político, melhor para ele. Fernando Collor depende desta variável - um clima em que a política seja debatida de forma emocional, sem muita racionalidade, uma espécie de Fla-Flu para que possa impor o seu discurso contundente e a sua presença, seu carisma. No fundo, Collor lembra um pouco o malandro da música de Chico Buarque:

Eis o malandro na praça outra vez
Caminhando na ponta dos pés
Como quem pisa nos corações
Que rolaram nos cabarés

Entre deusas e bofetões
Entre dados e coronéis
Entre parangolés e patrões
O malandro anda assim de viés

Deixa balançar a maré
E a poeira assentar no chão
Deixa a praça virar um salão
Que o malandro é o barão da ralé


Se a praça virar um salão, é bom não subestimar Collor de Mello.

Comentários

  1. O cara é forte, mesmo. Mas que as coisas estão ficando MUITO engraçadas no Senado, ah, isso lá estão!

    ResponderExcluir
  2. Luiz, não tem a ver com esse seu post, mas segue a linha de "uma notícia, duas manchetes". E agora dá para desconfiar do Contas Abertas. Observe: segundo levantamento divulgado hoje, 7% das obras do PAC estão concluídas, o que leva o UOL a chamar isso de "apenas". Pois bem. O levantamento anterior foi divulgado no não muito distante 28 de maio deste ano, portanto há 2 meses, e dizia que o percentual era de 3%. Ou seja, em dois meses o número de obras concluídas pelo PAC aumentou 134%, correto? Sem contar que um leitor desatento pode não perceber, mas a base sobre a qual é jogada essa proporção parece ter mudado. Antes, eram 10.914 projetos (3% disso dá 327 projetos). Agora, constam 11.990 projetos e o próprio Contas Abertas diz que foram concluídos 827. Em outro jogo de números, a matemática mostra que 827 é 253% (1 vez e meia) maior que 327. Ou, ainda, continha básica: em dois meses, 500 obras concluídas! Segundo o UOL, que adora manipular a informação, é "apenas" isso. Bom, você é que é o jornalista de economia na parada e pode destrinchar melhor isso à blogosfera!

    ResponderExcluir
  3. Collor é a prova da diversidade brasileira. Viceja sim, apenas com um olho, pois a nação é cega. Avançamos agora com a internet, espraiada pelos rincões e metrópolis, entregando o ouro furtado e currículo dos meliantes engravatados de sempre.Temos perspectivas.

    ResponderExcluir
  4. Particularmene não gosto do Collor e nem de sua gestão. É certo quando você afirma que o povo auxiliou em maior medida a presidência de Collor (lembro-me que nesta eleição, estava na PUC em São Paulo, meu colégio eleitoral,e escutei duas madames conversando em que uma delas dizia assim: "o Collor será um presidente bonito, o Lula é barbudo, feio, imagina presidente feio esse jeito") , e certo é dizer também que a falta de aprovação do povo ajudou sua derrota. Haja vista dois casos típicos da simpatia popular mobilizando a política - Vargas (gostem ou não, era um empreendedor)e Lula com seu PAC. Faltou em Collor um plano voltado ao povo, uma forma de convencer a Nação de que elle era a melhor alterativa.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe