Em mais uma colaboração para este blog, Ricardo Musse, professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo, comenta os últimos capítulos de uma novela que na verdade já dura quase seis meses, pois teve início com a posse de José Serra (PSDB) no governo do estado. A seguir, a íntegra do comentário:
O impasse na USP continua mesmo depois que José Serra revogou, em seus pontos mais críticos, os decretos que engessavam as universidades estaduais paulistas. A hostilidade do governo perante as premissas do ensino público, demonstrada por atos e palavras, acirrou uma série de conflitos internos que até então permaneciam apenas latentes.
A credibilidade política, institucional e intelectual da USP pode ser creditada em grande parte ao papel proeminente que desempenhou na resistência e oposição à ditadura militar. Sua estrutura interna de poder, no entanto, não foi democratizada, conservando um “entulho autoritário” que persistiu após a extinção do regime de cátedras em 1968. Não só o poder, mas a própria representação política está confinada na figura do reitor e nas mãos do estamento burocrático que o envolve – um reduzido grupo de professores titulares que exercem o mando e as funções administrativas que outrora eram apanágio dos catedráticos.
Nem mesmo nos departamentos, estrutura elementar da organização universitária, os professores são considerados formalmente iguais. O conselho departamental é composto pela totalidade dos titulares, por representantes dos livre-docentes e doutores (excluindo assim a participação da maioria dos professores), e por uma representação estudantil que não pode exceder a 10% do número de professores.
Diante desse monopólio da atividade política e da apatia demonstrada pela reitora (e seu estamento burocrático) em relação aos ataques à autonomia universitária, não é de se estranhar que os estudantes tenham lançado mão de uma medida extrema. No entanto, o que mais se viu foram professores titulares procurando desqualificar a ação dos estudantes, sem demonstrar, em contrapartida (com raras exceções), qualquer preocupação com os decretos governamentais.
A defesa dos privilégios desse estamento talvez explique porque pessoas que se notabilizaram na luta democrática têm recusado, de forma tão veemente, o direito à participação política dos estudantes, utilizando-se muitas vezes de uma retórica que lembra os argumentos dos escravocratas no século XIX. Os membros desse estamento tendem a reagir às reivindicações de estudantes e professores, sobretudo a exigência de um congresso estatuinte, com o mesmo temor da nobreza francesa ante a decisão de Luis XVI de convocar os Estados Gerais.
O tamanho do impasse, entretanto, indica que talvez tenha chegado a hora de a comunidade uspiana voltar-se para si própria e discutir formas efetivas de democratização da representação e do poder. Parece insustentável a situação na qual os professores são ouvidos apenas quando entram em greve, os funcionários quando trancam as portas dos prédios, e os alunos não têm direito à palavra sequer quando ocupam o prédio da reitoria e a mídia.
O impasse na USP continua mesmo depois que José Serra revogou, em seus pontos mais críticos, os decretos que engessavam as universidades estaduais paulistas. A hostilidade do governo perante as premissas do ensino público, demonstrada por atos e palavras, acirrou uma série de conflitos internos que até então permaneciam apenas latentes.
A credibilidade política, institucional e intelectual da USP pode ser creditada em grande parte ao papel proeminente que desempenhou na resistência e oposição à ditadura militar. Sua estrutura interna de poder, no entanto, não foi democratizada, conservando um “entulho autoritário” que persistiu após a extinção do regime de cátedras em 1968. Não só o poder, mas a própria representação política está confinada na figura do reitor e nas mãos do estamento burocrático que o envolve – um reduzido grupo de professores titulares que exercem o mando e as funções administrativas que outrora eram apanágio dos catedráticos.
Nem mesmo nos departamentos, estrutura elementar da organização universitária, os professores são considerados formalmente iguais. O conselho departamental é composto pela totalidade dos titulares, por representantes dos livre-docentes e doutores (excluindo assim a participação da maioria dos professores), e por uma representação estudantil que não pode exceder a 10% do número de professores.
Diante desse monopólio da atividade política e da apatia demonstrada pela reitora (e seu estamento burocrático) em relação aos ataques à autonomia universitária, não é de se estranhar que os estudantes tenham lançado mão de uma medida extrema. No entanto, o que mais se viu foram professores titulares procurando desqualificar a ação dos estudantes, sem demonstrar, em contrapartida (com raras exceções), qualquer preocupação com os decretos governamentais.
A defesa dos privilégios desse estamento talvez explique porque pessoas que se notabilizaram na luta democrática têm recusado, de forma tão veemente, o direito à participação política dos estudantes, utilizando-se muitas vezes de uma retórica que lembra os argumentos dos escravocratas no século XIX
O tamanho do impasse, entretanto, indica que talvez tenha chegado a hora de a comunidade uspiana voltar-se para si própria e discutir formas efetivas de democratização da representação e do poder. Parece insustentável a situação na qual os professores são ouvidos apenas quando entram em greve, os funcionários quando trancam as portas dos prédios, e os alunos não têm direito à palavra sequer quando ocupam o prédio da reitoria e a mídia.
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