Pular para o conteúdo principal

Lembo: mais um mandato para Lula

Vale a pena ler o artigo abaixo, da lavra do ex-governador Cláudio Lembo (DEM-SP) e originalmente publicado no site Terra Magazine, um dos conservadores mais elegantes do país. A hipótese que Lembo levanta já foi comentada neste blog há bastante tempo e faz todo sentido. Não seria uma "solução chavista" para mais um mandato de Lula, mas é claro que a oposição vai reclamar bastante.

O verdadeiro problema dos tucanos e neo-democratas do antigo PFL é que de fato, como aponta Lembo, não há uma liderança forte para se contrapor ao presidente Lula: Serra chafurda em um governo medíocre a Aécio Neves talvez seja jovem (e esperto) demais para encarar a corrida ao Planalto contra Lula. E do lado dos democratas, deve ser piada acreditar que o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, possa ser um candidato viável.

Assim, no vazio criado pela oposição e também no bloco governista, que não tem nome de peso para ser o "sucessor natural" de Lula, o presidente surfa no seu próprio carisma e na bonança econômica internacional. Os casos de corrupção não o atingem porque ele vai dinamitando cada aliado que é pego com a boca na botija, incluindo até familiares. Claro que há muita água para rolar por debaixo da ponte, mas é bom lembrar que 3 anos passam rápido. Se ninguém se mexer e se a economia internacional não entrar em crise, não será surpresa para os leitores deste blog um terceiro mandato de Lula. Temos dito...
A seguir, a íntegra do texto de Lembo:


Queremismo de Getúlio e o Fico de Pedro I

Pela sabedoria de seus atores, a política de Minas Gerais gerou inúmeras pitorescas estórias que, na maioria das vezes, contêm ensinamentos úteis para os diversos partidos e também para as pessoas.
Entre muitos casos, há um especial. Teria acontecido com José Maria Alkmin, sábio negociador, presente na cena política durante muitos anos, sempre ocupando cargos relevantes, a partir de sua querida Bocaiúva, cidade da região do rio Jequitinhonha.
Conta-se que, nos momentos derradeiros do doutor José Maria, a sua família solicitou os préstimos do velho padre, seu amigo, que prontamente atendeu o pedido.
Ao chegar ao quarto do político, o padre postou-se à sua cabeceira e perguntou: "Doutor José Maria, o senhor está me ouvindo?" A resposta veio, prontamente, em um sonoro "sim".
Prosseguiu o cura, "Doutor José Maria, repita as minhas palavras. Senhor do Bonfim dê-me sua mão, Sagrado Coração de Jesus assista-me, todos os anjos acompanhem-me" e, por longo tempo, a ladainha foi acompanhada em voz firme pelo enfermo.
Às tantas, o padre categórico proclamou: "Todos os diabos se afastem". Doutor José Maria não respondeu, apesar da insistência do religioso. Preocupado, este indagou: "Doutor José Maria, o senhor está me ouvindo?" Ao que o político prontamente respondeu: "Sim".
"Por que o senhor, então, não repete?" exclamou aflito o sacerdote. A imediata resposta indicou a sabedoria inata do bom político: "Padre, prá que mexer com quem está quieto?"
Esta sensibilidade se encontra ausente no atual cenário político. É só observar. Por exemplo, mexer com a reforma política e incentivá-la corresponde a clamar pelo diabo. Vai acontecer o inevitável.
O processo da reforma se arrastará pelo tempo afora. Inicialmente, alguns demonstrarão a necessidade do fim da reeleição, instituto estranho à cultura brasileira. Será o primeiro movimento.
Em seguida, virá o voto por lista, excrescência dos tempos do Império. Ao mesmo tempo surgirá a tese do financiamento público das campanhas eleitorais. O nosso dinheiro, ainda uma vez, sofrerá a volúpia financeira do Estado.
Logo após, o tema se constituirá em um mandato de cinco anos para os cargos executivos, isto é, presidente da República, governadores dos Estados e prefeitos dos Municípios.
No entreato, o discurso apontará para a impossibilidade de se frustar a possibilidade do atual presidente da República contar, também, com um mandato de cinco anos. E por que não? O seu foi de apenas quatro.
Em disposição constitucional transitória, virá a solução. Um novo e último mandato para o presidente. Depois, nunca mais reeleição. A reforma política terá atingido seu real objetivo.
A explosão de um movimento queremista está no ar. Todos se dizem satisfeitos com o presidente. Novas lideranças não surgem. Queremos Lula por mais cinco anos, será o grito de muitos.
A favor ou contra, se colocarão personalidades e partidos políticos. Ao final, à falta de alternativa, Lula ficará por cinco anos e a reeleição jogada no cesto de lixo, de onde nunca deveria ter saído.
Só a inveja dos deuses poderá evitar a nova reeleição. Ou um colossal erro do primeiro mandatário. Uma grande atrapalhada de seus amigos. Acontece que os deuses estão ausentes. O grande erro afigura-se improvável. Restam os amigos. Estes estão aí para estragar tudo.
A história conhece o "fico" de Pedro I e o retorno de Getúlio. Irá assistir a um fico acrescido de um retorno de alguém que nunca saiu.
É esperar para ver. Melhor, se a perspectiva anunciada não ocorrer. Difícil, porém, acreditar na hipótese negativa. Uns são mais sagazes que os outros.
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

Comentários

  1. Lula III? Que ninguém ouça ou leia isso. Dois já é muito.

    Entrelinhas, dois mandatos torna o governante uma figura cansativa. E na última eleição a oposiçao já teve 40% dos votos. Faltou 10% para uma vitoria.

    Ou seja, tudo leva a crer que na próxima eleiçao presidencial há grande possibilidade da oposiçao ser vitoriosa.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe