Pular para o conteúdo principal

Luiz Weis: os 5 de Sirlei e os 5 de Galdino

Está simplesmente irrepreensível o texto do colunista Luiz Weis, do Observatório da Imprensa, sobre o caso dos espancadores da empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, no Rio de Janeiro. Foi postado originalmente no blog Verbo Solto e vai reproduzido em seguida:

A única boa notícia do dia não aconteceu a tempo de chegar às primeiras edições dos jornais: o quinto facínora que espancou selvagemente a empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, de 32 anos, em um ponto de ônibus, no Rio, se entregou no fim da noite de ontem.

O tipo se chama Rodrigo Bassalo. Tem 21 anos. Estuda turismo. Apresentou-se acompanhado dos advogados e “ficou praticamente todo o tempo de cabeça baixa”, informa a Agência Estado.

Os outros são Rubens Arruda, 19, estudante de direito; Felipe Macedo Nery Neto, 20, também estudante de direito; Julio Junqueira, 21, dono de um quiosque na Barra; e Leonardo de Andrade, 19, técnico em informática.

Sirlei, que ontem teve alta, voltou ao hospital para fazer novos exames. Ela está com fratura no rosto e sente muita dor de cabeça – mau sinal.

Na cobertura da bestialidade, destaque para a entrevista da Folha com o pai de Rubens Arruda [que virou ele próprio notícia por ter sido alvejado no tiroteio entre policiais e traficantes na Ilha do Governador, que deixou três mortos e fechou por 20 minutos o Galeão].

O pai acha que o bando tinha bebido ou se drogado. “Uma pessoa normal vai fazer uma agressão dessas?”, perguntou ao repórter Sérgio Torres. Ele considera o filho “um garoto normal”.

Eram também cinco “garotos normais”, um deles menor, de classe média como os cariocas que espancaram Sirlei, os que atearam fogo no índio Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, quando dormia no ponto de ônibus de uma praça em Brasília, na madrugada de 20 de abril de 1997.

Noventa e cinco por cento da superfície do seu corpo ficou queimada. Ele morreu na manhã seguinte, não sem antes perguntar: "Por que fizeram isso comigo?"

Para se divertir, diriam ao ser presos. Depois do divertimento, foram para casa dormir. Uma testemunha os viu, anotou a chapa do carro deles e chamou a polícia. Agora, foi a mesma coisa.

Os “normais” do Rio bateram em Sirlei porque acharam que ela era prostituta. Os de Brasília incineraram Galdino porque acharam que ele era mendigo.

A mídia já podia especular sobre o que acontecerá com os cinco de Sirlei. Dos cinco de Galdino, um – o menor – não chegou a ser preso. Os outros quatro, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves Oliveira, Max Rogério Alves e Antonio Novely Cardoso, desfrutam de liberdade condicional desde 2004.

Antes, os assassinos puderam trabalhar e estudar fora do presídio – uma ilegalidade, porque haviam sido condenados a prisão em regime fechado.

Puderam trabalhar, estudar – e cair na noite, conforme os jornais noticiavam de vez em quando.

Será de cair o queixo se a história não se repetir.

Comentários

  1. Aqui no Rio Grande do Sul, um outro bando espancou um homem negro e colorado (torcedor do Internacional) até a morte em Dom Pedrito, após uma discussão sobre futebol.
    Tem o caso daqueles rapazes que espancaram um garçom em Porto Seguro, BA.
    Sem falar no cara que decepou a perna do Grael pilotando uma lancha numa área restrita enquanto estava embriagado.
    Triste impunidade.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...