LEITURAS DA FOLHA Por Luiz Antonio Magalhães em 2/6/2009 | |
A Folha de S. Paulo publicou no domingo (31/05) uma matéria muito interessante do repórter e colunista Fernando Rodrigues sobre os gastos da propaganda do governo Lula. O que a Folha vê como ponto negativo na política do atual governo este observador avalia ser a melhor novidade dos últimos anos no setor. A questão é simples: segundo a Folha, com praticamente o mesmo recurso utilizado na gestão anterior, considerando a correção monetária, o governo Lula anunciou em mais de 5 mil veículos de comunicação. Durante o governo de Fernando Henrique, eram apenas 500 os beneficiados. A matéria da Folha sustenta que essa prática não é condizente com as regras de mercado e cita exemplos da Fiat e Itaú, que publicam anúncios de alcance nacional em menos de 200 veículos. De fato, o governo Lula não obedece às regras de mercado e esta é a melhor notícia que se pode ter na área da distribuição das verbas públicas para publicidade em veículos privados de comunicação. Sim, porque com a maior distribuição dos recursos de propaganda, na prática o governo fomenta a democratização dos meios de comunicação. Antes, só os grandões levavam o meu, o seu, o nosso dinheirinho, impedindo o crescimento de outras publicações. Agora, jornais regionais e pequenos também levam e podem se tornar competitivos, o que é ótimo para a sociedade de várias formas: dinamiza o mercado de trabalho do setor, possibilita que diferentes vozes tenham meios de expressar suas ideias, enfim, é tudo de bom. A voz do dono Dois excelentes colunistas da Folha de S. Paulo – um dos quais o próprio autor da matéria publicada domingo – perderam na segunda-feira (1/6) a chance de ficarem calados. Defenderam a destinação dos recursos oficiais para propaganda apenas aos grandes veículos de comunicação. O texto de Fernando de Barros Silva, em especial, cairia perfeitamente bem na assinatura do patrão Otavio Frias Filho. Já o de autoria de Fernando Rodrigues é uma análise interessante, mas derrapa nas últimas linhas. Ambos vão reproduzidos ao final desta nota. A questão, como já se viu acima, é muito simples – simplíssima, aliás –, mas vale repeti-la. Se Lula gasta a mesma verba que FHC gastava com publicidade, poderia fazer duas coisas: manter o padrão de gastos do governo anterior, que privilegiava os grandes meios de comunicação, ou diminuir o quinhão dos grandes e distribuir a verba entre os pequenos. O governo optou pela segunda forma de distribuir verba e é acusado pelos colunistas da Folha de estar comprando a simpatia dos proprietários de pequenas rádios, jornais e revistas. Ora, se o governo não pode distribuir a verba, resta então a outra hipótese: manter o padrão de distribuição da gestão anterior, na qual praticamente só os grandes veículos tinham acesso aos recursos da publicidade oficial. Ou seja, os dois Fernandos – mais o Barros e Silva e menos Rodrigues – no fundo defendem mais um capilé para a Folha de S.Paulo e nada para o Diário de Cabrobó do Mato Dentro. Justo? Talvez, mas a verdade é que seria muito mais elegante se o próprio Otavio Frias Filho defendesse a tese, em artigo assinado ou em editorial. Quando jornalistas decidem ser mais realistas que o rei, em geral o vexame é grande. Propaganda de Lula chega a 5.297 veículos Com PT no Planalto, o número de meios de comunicação que recebem verbas de publicidade federal aumentou 961% Ao tomar posse, comerciais do petista atingiam 21 TVs e 270 rádios; no fim de 2008 já havia 297 TVs e 2.597 rádios veiculando anúncios oficiais Fernando Rodrigues, da Sucursal de Brasília Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação no país. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, quando o petista tomou posse. Esse padrão de pulverização na publicidade é incomum na iniciativa privada. Segundo dados do Ibope Monitor, a Fiat anunciou em 206 meios de comunicação diferentes no ano passado. O banco Itaú, em 176. Trata-se de uma pesquisa por amostragem, mas mesmo com um desvio de 1.000% o número de veículos nos quais essas duas empresas anunciam não se aproximaria dos 5.297 escolhidos pelo governo federal. A regionalização da propaganda federal é parte de uma estratégia de marketing do governo. Presidente mais bem avaliado no atual ciclo democrático, Lula viu sua alta popularidade se consolidar numa curva quase paralela ao avanço da distribuição de seus comerciais pelo interior do país. "O fato de ter ampliado a presença do presidente na mídia regional pode ter ajudado [a elevar a popularidade do governo]", admite Ottoni Fernandes, subchefe-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, que está sob o comando do ministro-chefe da Secom, Franklin Martins. Mudança de estratégia Diferentemente dos antecessores, Lula regionalizou radicalmente a distribuição de verbas de publicidade. Não houve um aumento expressivo no valor gasto, mas uma mudança de estratégia. Grandes veículos de alcance nacional passaram a receber um pouco menos. A diferença foi para pequenas rádios e jornais no interior. O orçamento total consumido em mídia por Lula e pelo tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seu antecessor, oscilou sempre na faixa de R$ 900 milhões a R$ 1,2 bilhão por ano -sem contar patrocínios e outros custos relacionados à produção de comerciais. No caso das verbas apenas para a Presidência, só há dados disponíveis a partir de 2003. Antes a propaganda presidencial era feita de maneira dispersa pelos vários organismos da estrutura federal. Lula gasta anualmente um pouco acima de R$ 100 milhões com comerciais idealizados pelas agências que servem ao Planalto. A diferença em relação ao governo anterior é a distribuição das propagandas por muitos meios de comunicação de pequeno porte. Logo depois de tomar posse, os comerciais do petista atingiam, por exemplo, apenas 270 rádios e 21 TVs. No final do ano passado, já eram 2.597 emissoras de rádio e 297 TVs recebendo dinheiro do Planalto para divulgar mensagens da administração federal. Não se trata de publicidade de utilidade pública. Campanhas de vacinação ou sobre matrículas escolares continuam sendo executadas pelos ministérios. A propaganda produzida pelo Planalto é sobre ações de interesse político-administrativo -como divulgar a lista de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Às vezes o governo também atua como animador da população. No final do ano passado, uma campanha nacional foi veiculada para que os brasileiros não interrompessem o consumo por receio dos efeitos da crise econômica internacional. "O presidente Lula, se eu pudesse escolher, deveria ser o profissional de comunicação do ano. Ele reduziu, no gogó, a tensão da população, da classe C ascendente. O presidente é ótimo em comunicação integrada. A regionalização da mídia é uma parte. Já existia antes de a crise chegar e ajudou", diz Mauro Montorin, publicitário da agência 141, uma das responsáveis pela conta da Presidência da República. A capilaridade dos comerciais de Lula pode ser também mensurada pelo número de cidades brasileiras nas quais há propaganda do Palácio do Planalto. Em 2003, eram 182 municípios atingidos. Agora, são 1.149 -uma alta de 531%. "A mídia regional é mais ligada às comunidades e tem mais credibilidade localmente (...) Partimos para uma política de atender a mídia regional, com mais entrevistas do presidente. Há uma mania no Brasil de achar que a mídia é só em São Paulo e no Rio", diz Ottoni Fernandes, subchefe da Secom. A diretriz geral é dada pelo ministro Franklin Martins: "A imprensa regional está crescendo no Brasil. O objetivo do governo é se comunicar com a população e esses veículos do interior atingem uma parcela relevante da população". Rádios e jornais Em 2003, havia 5.772 rádios no Brasil, de acordo com o Ministério das Comunicações. Hoje, são 8.307 emissoras, incluindo as 3.685 chamadas "rádios comunitárias", cujo alcance do sinal é limitado. No meio jornal, quando Lula tomou posse, existiam 2.684 títulos no país, segundo a Associação Nacional de Jornais; em 2006, último dado disponível, já eram 3.076 veículos. Uma das razões para a iniciativa privada não anunciar na maioria desses veículos é a falta de mecanismos para auditar a penetração da mensagem e aferir a eficácia do comercial. Poucos jornais no país têm tiragem comprovada pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação). Essa entidade só inspeciona 118 dos mais de 3.000 títulos. O governo afirma exigir comprovação de impressão por parte dos pequenos jornais antes de fazer o pagamento. No caso das rádios, diz Ottoni Fernandes, "há cadastro com todas as emissoras em cidades com mais de 50 mil habitantes", que precisam emitir faturas e dar alguma prova de veiculação do comercial. Essa é uma exigência do TCU (Tribunal de Contas da União), que foi consultado ao longo do processo de regionalização para aprovar os métodos do Planalto. *** Fernando de Barros e Silva O Bolsa-Mídia de Lula SÃO PAULO - O jornalista Fernando Rodrigues deu uma grande contribuição ao conhecimento da máquina de propaganda do lulismo. A reportagem que publicou ontem na Folha mostra como, na atual gestão, o Planalto adotou uma política radical e sistemática de pulverização da verba publicitária destinada a promover o governo. Em 2003, a Presidência anunciava em 499 veículos; em 2009, foram 2.597 os contemplados -um aumento de 961%. Discriminada por tipo de mídia, essa explosão capilarizada da propaganda oficial irrigou primeiro as rádios (270 em 2003, 2.597 em 2008), depois os jornais (de 179 para 1.273) e a seguir o que é catalogado como "outras mídias", entre elas a internet, com 1.046 beneficiadas em 2008. O que isso quer dizer? A língua oficial chama de regionalização da publicidade estatal e a vende como sinal de "democratização". Na prática, significa que o governo promove um arrastão e vai comprando a mídia de segundo e terceiro escalões como nunca antes neste país. Exagero? Eis o que diz Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo e membro da Frente Parlamentar de Mídia Regional: "Cerca de 50% das rádios e dos jornais do interior pertencem ao comunicador. O dono faz o jornal ou o programa de rádio. Se recebe dinheiro, passa a ter mais simpatia e faz uma comunicação mais adequada ao governo. Há uma reciprocidade". Enquanto, na superfície, Lula trata de fazer a sua guerra retórica contra a "imprensa burguesa", que lhe dá azia, no subsolo do poder a engrenagem montada pelo ministro Franklin Martins se encarrega de alimentar a rede chapa-branca na base de verbas publicitárias. É o Bolsa-Mídia do governo Lula. Essa mídia de cabresto que se consolidou no segundo mandato ajuda a entender e a difundir a popularidade do presidente. E talvez explique, no novo mundo virtual, o governismo subalterno de certos blogs que o lulismo pariu por aí. *** Fernando Rodrigues Lula, certeza única BRASÍLIA - Quando a popularidade de Lula caiu cinco pontos percentuais, há dois meses, frequentou os céus de Brasília a hipótese do "ponto de inflexão" para o petista. Pela análise propagada, legítima, estaria em curso a inexorável trajetória crepuscular na taxa de aprovação de todo o presidente rumo ao fim do seu mandato. A julgar pela pesquisa Datafolha publicada ontem, a inflexão, se é que houve, foi só um soluço. Por ora, está abortada. A popularidade de Lula segue como uma das únicas certezas sobre o cenário sucessório de 2010. Há dúvidas sobre quem serão os candidatos do PT e do PSDB e se a tese do terceiro mandato tem ainda alguma chance remota de prosperar. Mas inexistem pontos de interrogação sobre o poder de influência do atual presidente no processo de escolha do próximo ocupante do Planalto. Certeza em política, manda a prudência, é algo a ser tomado com muito cuidado ou desdém. Um fator extra campo, para emprestar uma metáfora futebolística ao gosto de Lula, poderia muito bem ceifar a popularidade presidencial. Mas é necessário reconhecer que a gordura acumulada pelo petista confere a ele resistência para atravessar um eventual deserto. O momento, como se sabe, era outro, mas não custa recordar que nesta mesma época, em 2001, Fernando Henrique Cardoso tinha 19% de "ótimo" e "bom" no Datafolha. Lula está com 69%. A resiliência inaudita do petista não surge por geração espontânea. Tampouco é fruto apenas da capacidade de comunicação do ex-sindicalista. Tudo é resultado de uma complexa estratégia de marketing. O governo brasileiro pré-PT sempre foi o maior anunciante do país. Agora, sob Lula, elevou essa condição ao paroxismo. Chega sozinho a 5.297 veículos de mídia impressa e eletrônica. O sabão em pó Omo ou políticos de oposição, por enquanto, não são páreo para Lula. |
Mais um artigo do autor do blog para o Observatório da Imprensa, consolidando algumas notas postadas aqui nos últimos dias. Na íntegra, para os leitores do blog.
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