Pular para o conteúdo principal

Kassab e a cara nova do conservadorismo

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), é um político novo e talentoso. Conservador, é claro, ou não estaria no Democratas, mas perspicaz e inteligente. Venceu uma eleição em que duas cobras criadas da política paulista estavam na disputa - Marta Suplicy e Geraldo Alckmin - e não foi apenas pelo bom marketing político desenvolvido pela equipe que contratou (o que, por si só, já demonstra a inteligência do prefeito). Kassab venceu a eleição do ano passado porque conseguiu costurar um acordo político com o PMDB que os petistas tentaram, mas não conseguiram efetivar.

Agora, neste mandato que é legitimamente seu (o primeiro era de José Serra, a quem Kassab sucedeu na prefeitura), algumas novidades começam a chamar atenção. Na semana passada, a prefeitura botou na internet a lista de todos os funcionários públicos que trabalham nas várias secretarias e autarquias da municipalidade e arrolou ali os salários recebidos por cada um deles. A grita foi geral, há alguns erros na listagem, mas a medida é excelente e muito corajosa. Deveria, aliás, ser uma regra na administração pública, em todas as esferas - federal, estadual e municipal - e para todos os Poderes.

Sim, porque quem trabalha com administração pública deve se submeter a regras diferenciadas em relação ao setor privado. Salário de funcionário público deve, sim, ser do conhecimento de todos os cidadãos, afinal são eles, os cidadãos, que pagam os tais salários, por meio dos tributos cobrados pelo governo. Ademais, a legislação trabalhista para o funcionalismo é diferente daquela aplicada na esfera privada justamente em função das características diferenciadas - os servidores têm estabilidade e se aposentam com os salários da ativa, por exemplo.

Na verdade, Kassab teve uma excelente sacada porque está atento ao chamado "talking of the town": assim como no caso do projeto Cidadade Limpa, no primeiro mandato, o prefeito percebeu um anseio importante da população, desta vez por maior transparência na apresentação das contas públicas. A medida é quase a decorrência de um Orçamento Participativo (bandeira histórica do PT, por sinal): primeiro a cidadania discute como o dinheiro vai ser gasto, depois fica sabendo como efetivamente o poder público empenhou os recursos. E não adianta dizer que basta publicar os "grandes números" (x milhões gastos com pagamento de salários do funcionalismo, y milhões com custeio). Com as facilidades da internet, o ideal mesmo é que sejam expostos os dispêncios minuciosamente, porque só assim a fiscalização é possível.

É chato para os procuradores e subprocuradores terem os seus megasalários, quase sempre acima de R$ 15 mil, expostos na rede, mas só assim a população pode debater e pressionar, se for o caso, pela correção dos abusos. Este blogueiro acha que, na média, os salários pagos aos funcionários públicos é baixo, deveria ser muito melhor (bem como a qualificação do pessoal), mas há, sim, evidentes abusos e muitas malandragens. Um exemplo: é um absurdo um secretário muncipal ganhar R$ 5 mil, tal salário é muito inferior ao que seria pago por cargo equivalente na iniciativa privada, o que afasta os talentos da gestão pública – ou permite que apenas os muito ricos, que não necessitam do salário para sobreviver, participem do governo, o que já é uma distoração importante no sistema. Por outro lado, não é correto que os valores recebidos pelos secretários apareçam em diferentes rubricas, sem a devida soma dos benefícios que eles desfrutam ao participar de conselhos de autarquias e empresas mistas. A maioria dos secretários ganha bem mais do que os R$ 5 mil constantes em seus hollerites, os jetons das reuniões dos conselhos muitas vezes superam o salário...

Essas pequenas distorções, porém, devem ser corrigidas proximamente porque Kassab não é burro e vai levar adiante a sua idéia de apresentar da forma mais transparente possível as contas da prefeitura. E isto deve provocar uma melhora significativa na popularidade do prefeito, que vai posar mais uma vez como o homem que enfrenta os poderosos e não tem medo de cara feia. Ainda é cedo, mas em janeiro de 2010 Gilberto Kassab estará muito bem posicionado para a disputa do governo de São Paulo. Poderá até levantar a bandeira de implantar o Cidade Limpa em todo o estado e tornar transparentes as contas públicas da máquina estadual, coisa que este blog duvida que o governador José Serra (PSDB) tenha coragem de fazer.

Comentários

  1. Não vejo transparência.
    Vejo apenas oportunismo, q como é da tchurma recebe todos os holofotes da imprensa.
    Gostaria de ver listados todos os valores de contratos, despesas de custeio e contas das empresas municipais, onde pairam vários pesos pesados da política nacional com "conselheiros" ganhando belos milhares de reais.
    Quero veo alcaide ter coragem de excluir do novo processo licitatório da merenda escolar todas as empresas q estão sendo investigadas por fraude e irregularidades.
    Gostaria de ver o prefeito vir a público e assumir q seus CEU's são uma fraude, q o transporte publico é uma calamidade, q não tem solução para o trânsito caótico, q está pouco ligando para o problema das enchentes na cidade e q está consorciado com a Sabesp no pouco caso da questão ambiental.
    E não falei dos AMA's mais um engodo lançado à população como a solução para os problemas da saúde no município.
    Mas acho q estou querendo ou esperando muito.

    ResponderExcluir
  2. Ah, esqueci!
    Tem também a revisão do Plano Diretor Estratégico, com o qual Kassab devolve aquilo q o setor imobiliário investiu em sua campanha eleitoral.

    ResponderExcluir
  3. Rapaz, eu acho uma falta de respeito imensa. Basta cruzar com mais uma meia dúzia de informações publicamente disponíveis (é fácil encontrar o endereço numa lista telefônica on-line, por exemplo, o lugar de trabalho já é conhecido) e os sequestros relâmpagos vão proliferar. Que pelo menos tirem o nome das pessoas e deixem apenas um identificador impessoal.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe