Pular para o conteúdo principal

Iglecias: o cara tem o corpo fechado

Abaixo, mais uma colaboração do professor Wagner Iglecias para o blog, desta vez sobre as pesquisas que mediram a popularida do presidente Lula, doravante denominado "o cara".

Foram divulgadas nesta semana mais duas pesquisas sobre a opinião da população em relação ao governo do presidente Lula. Apesar de já ter colecionado índices bastante altos de aprovação no passado recente, os números relativos ao governo não deixam de surpreender. Lula está na metade de seu sétimo ano à frente da presidência. Nas condições normais de temperatura e pressão da política, aqui ou em qualquer outra democracia, já seria mais do que hora de os índices de avaliação positiva do governo estarem bem abaixo dos 70% nos quais andam roçando, de acordo tanto com o Datafolha quanto com o CNT / Sensus. Por um motivo puro e simples: desgaste de material. Rotina na relação. Falta de perspectiva. Como em qualquer relacionamento.

Mas não. Entre Lula e o grosso da sociedade o que se dá é empatia e aprovação. Os motivos? Quem sabe o fato de que os efeitos da crise econômica mundial não bateram (pelo menos até agora, e talvez nem venham a bater) tão forte por aqui. Uma volta no comércio popular ou nos shopping centers de luxo das grandes metrópoles, ou nos
mercadinhos de pequenas cidades do interior do país, mostram que a economia continua em movimento, bombando, inclusive, em alguns setores específicos.

Aí provavelmente reside uma das pistas para entender a
aprovação ao governo. Enquanto tantos apostavam que o Brasil seria engolido pela crise e o governo seria levado de roldão, Lula mostrou que tem o corpo fechado, como se diz nas religiões afro-brasileiras em relação àqueles indivíduos que não são atingidos por nada. O próprio jeitão despachado de Lula, tantas vezes já comentado e analisado, e a idéia que ele passa para a maioria da população de que seu governo está zelando pelos interesses do país nesse momento de turbulências globais, também ajudam a entender os 70% de avaliação positiva que a população lhe confere.

Números tão robustos podem produzir diversas conseqüências, duas delas bastante delicadas: a vontade de alguns em apostar na linha "mais do mesmo", ou do "não se mexe em time que está ganhando", e buscar a alteração constitucional que permitiria a Lula concorrer a um terceiro mandato; e uma eventual radicalização de setores da oposição, desesperados com a possibilidade de ver adiada, uma vez mais, a oportunidade de voltar a ocupar o Palácio do Planalto.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe