Pular para o conteúdo principal

Pugilistas cubanos: muito barulho por nada

Um leitor pede a opinião do blog sobre o episódio envolvendo os boxeadores de Cuba que retornaram à ilha no domingo. Na Folha desta quinta, há um bom artigo de Jânio de Freitas sobre este assunto, no qual ele compara o caso ao acidente de Congonhas. De fato, a analogia é boa: foi só acontecer o acidente e a oposição saiu berrando que a culpa era da pista recém-reformada e, portanto, do governo federal. O tempo cuidou de mostrar que a tragédia nada teve a ver com a pista.

No episódio dos pugilistas, deu-se o mesmo. Foi só Guilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara deixarem o Brasil para a oposição berrar que o governo Lula estava entregando dois inocentes aos calabouços da "sangrenta ditadura cubana". Um blogueiro da extrema-direita chegou a comparar o episódio com o da entrega de Olga Benário, por Getúlio Vargas, à Gestapo de Hitler. A direita é mesmo histérica em relação a tudo que diz respeito a Cuba e Fidel, mas neste caso, prudência e caldo de galinha não teriam feito mal algum. Os pugilistas não estão na prisão nem em "centros de tortura", mas em suas casas, na companhia de familiares. Deixaram o Brasil de livre e espontânea vontade e se foram pressionados ou não por "agentes do serviço secreto cubano" para chegar a esta decisão, como andam dizendo os autores da teoria da "deportação ilegal", decepcionados com a verdade dos fatos, não é problema do governo brasileiro.

Como bem aponta Jânio de Freitas, o erro do governo brasileiro foi não ter dado transparência ao caso. Uma única coletiva em solo brasileiro tiraria qualquer pressão sobre o Itamaraty. É evidente que ainda há pontos obscuros nesta história, mas o fato de o agente que pretendia levar os dois pugilistas para a Europa ter partido, digamos assim, sem a mercadoria é um forte indício de que a "transação" não deu certo. Abandonados no Brasil, faz todo o sentido que, mesmo sem pressão de qualquer "agente secreto", os dois tenham se arrependido e decidido voltar.

Nunca é demais lembrar, por fim, que Rafael Capote, 19, ex-lateral esquerdo da seleção de handebol de Cuba e primeiro a desertar durante o Pan, continua no Brasil, em São Paulo, tendo requisitado o refúgio político. Os blogueiros de direita precisam explicar por que o detestável Lula não mandou Capote de volta ao sanguinário Fidel...

Tudo somado, para resumir essa história dos pugilistas cubanos, o melhor é recorrer ao velho bardo: "much ado about nothing"...

Comentários

  1. Acredito no Granma. Acredito no papai-noel. E os cubanos foram pra Cuba de trenó...

    Um arremessador de beisebol fugiu de Cuba. Ficou 2 anos sem ver sua família. Tudo por causa do Fidel. Isso não é estorinha. É fato.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe