Vinicius Torres Freire, editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo, foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a escrever com freqüência sobre a "iminente" crise dos crédtios "subprime" no mercado imobiliário norte-americano, já no início deste ano. A ênfase de Vinicius era tanta que parecia até conter um certo grau de exagero. Pois não é que Vinicius estava de férias quando a crise começou? Ele voltou logo em seguida e desde então seus artigos não deixam de ter um certo tom de "não digam que não avisei" ou "eu não disse...". O fato é que o jornalista da Folha estava bem antenado e vale a pena prestar atenção ao que ele escreve sobre este assunto em particular. No artigo deste último domingo, reproduzido abaixo, Vinicius de certa forma estabelece uma data-chave para as turbulências no mercado financeiro, qual seja a do mês de outubro. O evento mais importante, porém, será a definição do Fed sobre a taxa básica de juros nos Estados Unidos. Não é uma decisão fácil: se abaixar, será o reconhecimento de que a economia real foi de alguma forma afetada pela crise; não abaixando, pode provocar nova corrida aos bancos. No grande cassino financeiro internacional, a jogatina segue, mas parece ser a hora do crupiê distribuir as cartas... A seguir, a íntegra do artigo de Torres Freire.
As pedras no caminho até outubro
OS POVOS DOS mercados falavam muito de férias em jornais, blogs, TVs e até em relatórios técnicos, na sexta passada.
Agosto é o mês da folga de verão no mundo rico. É clichê falar da modorra de agosto, da redução do nível de negócios, em especial nas Bolsas. Os indicadores financeiros mais importantes também pareciam relaxar no final de semana. Depois do pânico nas Bolsas na quinta, 16 de agosto, e do menos comentado, mas talvez mais importante, pânico do mercado de crédito na segunda, 20, fica a impressão de que virá uma trégua.
Os sinais de trégua ou de fé na queda dos juros nos EUA estão nos números. Um indicador de que os donos do dinheiro estão avessos a arriscar o capital é o nível dos juros dos títulos da dívida pública americana. Quando há fuga do risco, aumenta a compra de títulos do Tesouro, que passam a render menos juros. No dia do pânico do crédito, quando quase ninguém queria conceder empréstimos, a taxa dos títulos de um mês caiu a 2,47%. No início de agosto, tais papéis pagavam 5,05%. Na sexta passada, haviam voltado a 4,24%.
O Índice de Volatilidade (VIX) da Chicago Board Options Exchange, que mede a expectativa de volatilidade na Bolsa americana, bateu em 32,68 no dia 16, do pânico nas Bolsas. Na sexta, estava em 20,72.
Investidores parecem ter perdido seu breve receio do "carry trade". Isto é, tomar empréstimos em geral em ienes (com juros reais negativos, ou quase) e aplicar em moedas de países com altas taxas de juros, moedas que se valorizaram na semana. Quanto às ações, o índice do Morgan Stanley para 25 países "emergentes" (MSCI Index) subiu mais de 8% desde o pânico da quinta, 16.
O Fed, o banco central dos EUA, facilita cada vez mais a concessão de crédito -na sexta-feira, o Fed de Nova York, o interlocutor de Wall Street, reafirmou que aceita como garantia títulos ora bem malvistos no mercado, como as notas promissórias garantidas por ativos ("asset backed commercial papers").
O crédito ainda está algo travado devido à aversão a esses papéis garantidos não só por ativos como títulos lastreados em prestações imobiliárias, mas também àqueles atrelados a outras dívidas, como as de cartão de crédito -saber o preço desses papéis é um problema. O nível de "commercial papers" no mercado caiu US$ 144 bilhões em agosto, para US$ 2,04 trilhões. Há estimativa de que caia outro tanto, o que encarece o crédito para empresas.
Deve haver incerteza pelo menos até outubro. Vão sair vários indicadores da economia real nos EUA, alguns deles já cobrindo o período de crise. O calote em hipotecas vai crescer, pois os juros estão mais altos e muitos contratos serão reajustados.
Haverá mais desemprego em imobiliárias, financeiras, construção civil, menos lucros nas empresas que fornecem insumos para a construção. Não se sabe se a recessão imobiliária afetará outros setores nos EUA.
Não se saberá até outubro se os lucros foram afetados pela crise. Não se sabe se o mercado continuará a temer o aparecimento de derivativos de crédito podres em fundos e bancos. Não se sabe como a finança reagirá à possível manutenção da taxa básica de juros nos EUA. Tudo isso pode render confusão. Ou não.
As pedras no caminho até outubro
OS POVOS DOS mercados falavam muito de férias em jornais, blogs, TVs e até em relatórios técnicos, na sexta passada.
Agosto é o mês da folga de verão no mundo rico. É clichê falar da modorra de agosto, da redução do nível de negócios, em especial nas Bolsas. Os indicadores financeiros mais importantes também pareciam relaxar no final de semana. Depois do pânico nas Bolsas na quinta, 16 de agosto, e do menos comentado, mas talvez mais importante, pânico do mercado de crédito na segunda, 20, fica a impressão de que virá uma trégua.
Os sinais de trégua ou de fé na queda dos juros nos EUA estão nos números. Um indicador de que os donos do dinheiro estão avessos a arriscar o capital é o nível dos juros dos títulos da dívida pública americana. Quando há fuga do risco, aumenta a compra de títulos do Tesouro, que passam a render menos juros. No dia do pânico do crédito, quando quase ninguém queria conceder empréstimos, a taxa dos títulos de um mês caiu a 2,47%. No início de agosto, tais papéis pagavam 5,05%. Na sexta passada, haviam voltado a 4,24%.
O Índice de Volatilidade (VIX) da Chicago Board Options Exchange, que mede a expectativa de volatilidade na Bolsa americana, bateu em 32,68 no dia 16, do pânico nas Bolsas. Na sexta, estava em 20,72.
Investidores parecem ter perdido seu breve receio do "carry trade". Isto é, tomar empréstimos em geral em ienes (com juros reais negativos, ou quase) e aplicar em moedas de países com altas taxas de juros, moedas que se valorizaram na semana. Quanto às ações, o índice do Morgan Stanley para 25 países "emergentes" (MSCI Index) subiu mais de 8% desde o pânico da quinta, 16.
O Fed, o banco central dos EUA, facilita cada vez mais a concessão de crédito -na sexta-feira, o Fed de Nova York, o interlocutor de Wall Street, reafirmou que aceita como garantia títulos ora bem malvistos no mercado, como as notas promissórias garantidas por ativos ("asset backed commercial papers").
O crédito ainda está algo travado devido à aversão a esses papéis garantidos não só por ativos como títulos lastreados em prestações imobiliárias, mas também àqueles atrelados a outras dívidas, como as de cartão de crédito -saber o preço desses papéis é um problema. O nível de "commercial papers" no mercado caiu US$ 144 bilhões em agosto, para US$ 2,04 trilhões. Há estimativa de que caia outro tanto, o que encarece o crédito para empresas.
Deve haver incerteza pelo menos até outubro. Vão sair vários indicadores da economia real nos EUA, alguns deles já cobrindo o período de crise. O calote em hipotecas vai crescer, pois os juros estão mais altos e muitos contratos serão reajustados.
Haverá mais desemprego em imobiliárias, financeiras, construção civil, menos lucros nas empresas que fornecem insumos para a construção. Não se sabe se a recessão imobiliária afetará outros setores nos EUA.
Não se saberá até outubro se os lucros foram afetados pela crise. Não se sabe se o mercado continuará a temer o aparecimento de derivativos de crédito podres em fundos e bancos. Não se sabe como a finança reagirá à possível manutenção da taxa básica de juros nos EUA. Tudo isso pode render confusão. Ou não.
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