Pular para o conteúdo principal

Dines: Vejinha imita a Veja

Está bem interessante o texto do jornalista Alberto Dines reproduzido abaixo. Há uma crise em gestação no tucanato paulista e a Fundação Padre Anchieta é um dos palcos em que a batalha vai se desenrolar. Este blog voltará ao assunto. Por enquanto, segue o texto do diretor do Observatório da Imprensa, que também resvala no comportamento cada vez mais ridículo das duas publicações da editora Abril: Veja e Vejinha:

O terremoto artificial sobre as mudanças na Cultura FM

Era inevitável: o espírito da Guerra Fria da Veja um dia baixaria na caçula, Veja São Paulo. Baixou na edição desta semana (data de capa de 11/07, páginas 28-29). O pretexto foi a ousada mudança no teor da programação da rádio Cultura FM (da Fundação Padre Anchieta) que a partir do dia 2 de julho passou a transmitir apenas música erudita.

O debate seria instigante, rico, se a tropa de choque reacionária que ronda as esferas do poder estadual não aproveitasse para sair em defesa de um de seus aliados, o jornalista-produtor Salomão Schvartzman, cujo programa Diário da Manhã foi cortado da grade por não se enquadrar dentro da nova orientação.

E no lugar de uma discussão sobre o que é efetivamente "música erudita" (como se esperaria de uma revista concebida para ser a New Yorker paulistana), fabricou-se uma baixaria política para comprometer o início da gestão do jornalista Paulo Markun como presidente da Fundação Padre Anchieta.

Acusação de Schvartzman & Cia.: seu programa teria sido cortado pela patrulha ideológica dos "russos" (isto é, os egressos do PCB). Além de atribuir a si mesmo uma importância política que jamais teve, Salomão Schvartzman tenta reavivar as acusações contra a infiltração comunista na Fundação Padre Anchieta que antecederam a morte de Vladimir Herzog.

Escapou ao baixo-clero da direita paulistana o fato que um programa denominado Diário da Manhã, de viés nitidamente jornalístico e apenas amenizado por inserções musicais, confronta claramente a diretriz musical – certa ou errada, porém determinada pelos estatutos da Fundação.

Convém registrar que a versão radiofônica diária deste Observatório da Imprensa foi transferida pelas mesmas razões para a freqüência AM da rádio Cultura e ninguém saiu por aí alegando perseguição política.

Conflito de interesses

É possível que o Diário da Manhã fosse o líder de audiência e dono do maior faturamento da Cultura-FM e isto só valoriza a ousada opção de um grupo de comunicação que não dispõe dos recursos financeiros da mídia comercial.

Na alentada matéria da Vejinha sobre o "terremoto" na Cultura FM está dito que Schvartzman, recebia o salário de R$ 14 mil acrescidos de "50% do faturamento bruto do seu programa calculado em cerca de R$ 100 mil" (R$ 14 mil + R$ 50 mil = R$ 64 mil ao mês). Ele merece, certamente.

Ora, jornalista deve receber salários (ou algo equivalente quando se trata de Pessoa Jurídica). Percentual sobre faturamento é remuneração típica de publicitários e profissionais da área comercial. Jornalista-corretor é aberração, configura conflito de interesses.

Da New Yorker paulistana (em cuja direção militam melômanos respeitáveis), esperava-se uma discussão séria sobre o que é exatamente "música erudita". Jazz é popular ou erudito? Se os lieder de Schubert estão em todos os repertórios de música clássica porque não incluir canções francesas, americanas, italianas, africanas ou asiáticas numa rádio eminentemente erudita? Onde ficam os limites entre o violão clássico e o popular? O violoncelista Yo-Yo Ma quando toca o concerto de Elgar é clássico, mas quando executa Tom Jobim deve ser barrado? E os tangos de Daniel Barenboim? E o cabaré musical de Kurt Weil, onde é que se situa?

A Cultura FM, agora sob a batuta da radialista Gioconda Bordon, terá que rever ou relativizar seus paradigmas. Mas a Vejinha precisa guardar-se da histeria ideológica que tanto compromete a Vejona.


Comentários

  1. Meu caro Dines, não se esqueça que houve mudança nas estruturas dos filhotes da Vejona, agora todos são subordinadas a mandona, portanto, não me espanta com a Veja SP agir desta forma, que aliás foi de uma falta de respeito com a invasão dos estudantes na reitoria da USP. Deram capa.
    Abs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...