Pular para o conteúdo principal

ACM: o fim de uma era?

Uma primeira análise do material produzido pelos jornalões sobre o falecido senador Antonio Carlos Magalhães (nenhum parentesco com o autor destas mal traçadas, diga-se desde logo) revela que há um certo exagero tanto em relação à dimensão política de ACM quanto na "comemoração" do fim de um modo de fazer política, de uma verdadeira dinastia na Bahia.

Como diria o velho Jack, vamos por partes:

Antonio Carlos Magalhães foi, sem sombra de dúvida, o mais importante político da Bahia nos últimos 30 anos. O cacique conseguiu poder suficiente para se firmar como liderança nacional em um período relevante - o ápice talvez tenha sido quando foi ministro das Comunicações no governo Sarney -, mas jamais conseguiu força para comandar o seu próprio partido ou ditar os rumos da política nacional. A rigor, foi um oligarca regional que por um curto período se fez maior do que a região que comandava com mão de ferro. Teve, é claro, habilidade para costurar acordos com gente que no fundo preferia tê-lo bem longo, como os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

A segunda questão diz respeito ao "fim de um modo de fazer política". Ora, parece incorreto dizer que a morte de ACM sepulta o "neo-coronelismo" na política brasileira. Exemplos não faltam e o Nordeste está repleto deles. Tasso Jereissati é um coronel, Sarney é outro, para citar dois de idades e estados diferentes. Bornhausen, em Santa Catarina, é uma espécie de coronel endinheirado e com menos talento para a política eleitoral. No DEM, já estão no comando a segunda (ou terceira, no caso de ACM) geração de neo-coroneis: Paulo Bornhausen, ACM Neto, Rodrigo Maia (vamos assumir que o pai deste último se esforça para obter o diploma de neo-coronel em um Estado com tradição de líderes conservadores com passado de esquerda). As práticas políticas de Magalhães também continuam aí, vivíssimas. Não há como considerar que a morte do senador possa ter representado o fim deste modo de fazer política, portanto.

****

Na sexta-feira em que ACM morreu, o jornalismo brasileiro perdeu também Ismar Cardona. Este blogueiro teve a felicidade de trabalhar com Ismar - ele, na sucursal de Brasília do PanoramaBrasil, o autor destas Entrelinhas como editor de Política. Além de um profissional muitíssimo gabaritado, Ismar era uma pessoa divertida e um excelente analista da vida nacional. Foi a grande perda da sexta-feira, mas acabou passando em branco, em meio às tantas confusões aéreas e terrestres no país. Que descanse em paz.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...