Pular para o conteúdo principal

Weis: o cansaço e os cansados

Outra boa visão do movimento "Cansei" está reproduzida abaixo, originalmente publicado no blog Verbo Solto, do jornalista Luiz Weis. Colunista do Observatório da Imprensa e editorialista de O Estado de S. Paulo, Weis não é propriamente um "lulista" e, em vários aspectos, pensa de forma bem diferente do que o autor destas Entrelinhas. Por tudo isto, vale a pena ler o texto a seguir até o fim: é uma análise lúcida e bem elaborada.

Como uma infinidade de brasileiros que, pelo menos, dão uma sapeada nos noticiários da TV ou batem o olho nos periódicos, também estou cansado do Himalaia de mazelas que, entra governo, sai governo, não saem do cenário nacional: continuam essencialmente iguais, quando não pioram.

Embora, acrescento desde logo, muitas delas são coisas nossas mesmo, não dos governantes de turno - a começar do comportamento anti-social que está entre as causas primeiras, se não for a causa primeira e ponto, da barbárie do cotidiano nos ajuntamentos feios, sujos e perversos em que se degradaram as nossas mais povoadas cidades.

Mas, seja lá o que me canse como cidadão e jornalista, nem por isso vou me juntar ao movimento dos meninos da Fiesp e à tigrada da Febraban, cuja hipocrisia raia aos céus, em má hora avalizado pela OAB.

Não porque enxergue no tal do Cansei o embrião de um movimento golpista, como há quem já diga. É pule de 10, como falam os turfistas, que - salvo um acidente de saúde ou tragédia do gênero - Lula será o terceiro presidente brasileiro, depois de JK e FHC, a completar o mandato no dia marcado e entregar as chaves do Planalto a um novo inquilino, legal e legítimo.

Daí a minha discordância dos que comparam, por seus supostos efeitos, a programada manifestação pública do Cansei, daqui a algumas semanas, à Marcha da Família com Deus pela Liberdade que deu a senha para a gorilada derrubar o presidente constitucional João Goulart.

Aliás, do passeio do Viaduto do Chá, eu vi as marchadeiras - entre as quais muitas, mas muitas mesmo, empregadas domésticas tangidas pelas patroas para fazer número. Foi um nojo.

Para mim, portanto, o problema com o Cansei não são as razões do cansaço - estas existem de sobra - mas a identidade dos cansados. Contem-me fora dessa companhia, que o cartunista Angeli retratou na Folha de hoje com o habitual talento.
(Postado por Luiz Weis em 29/7/2007 às 10:29:02 AM)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...