O artigo abaixo, do professor Wagner Iglecias, é mais uma colaboração recebida por este blog. No texto, Iglecias traz boas explicações da alta popularidade de Lula, avançando um pouco no que já foi escrito aqui sobre este assunto. A seguir, a íntegra do artigo:
Os analistas políticos somos chamados a nos manifestar sempre que pesquisas de opinião acerca dos humores do eleitorado são divulgadas. Em época de eleição são as pesquisas de intenção de voto e sua sinuosa dança dos números, da qual muitas vezes tentamos adivinhar tendências, o que nem sempre é fácil. Longe das eleições sempre nos chamam para refletir sobre as pesquisas de apoio ao governo e à figura do mandatário. Em geral o governo federal e o presidente da República.
Na semana passada, tivemos uma pequena rodada de pesquisas sobre a avaliação atual do governo e do presidente Lula. De um lado foi divulgada uma pesquisa feita por PSDB e PFL (ou DEM, como queiram). De outro a sondagem da CNT/Sensus. Apesar de diferenças aqui e ali, em essência as duas apontam para níveis elevados de aprovação popular ao governo e em especial ao desempenho pessoal de Lula. Caso pudesse ser candidato a um terceiro mandato, e conseguisse manter os atuais índices de aprovação, Lula seria um competidor quase imbatível. E aí sempre vem a pergunta: como, apesar de comandar um governo tão alvejado por denúncias de corrupção, Lula segue com níveis de aprovação tão elevados?
Os fatores para explicar o fenômeno já soam meio repetitivos, a bem da verdade. A economia vai bem. Lula e os seus souberam manejar bem os instrumentos garantidores da estabilidade da moeda, e isto é mérito deles, mas ao mesmo tempo há que se lembrar que a economia mundial vive um momento de expansão e o Brasil de 2003, quando o presidente-operário foi ao poder, já era um país bem menos desarrumado que aquele de 1995, quando FHC tornou-se presidente. Ao mesmo tempo os programas sociais atingem milhões de brasileiros pobres e contribuem, de fato, para lhes melhorar os padrões de consumo, a qualidade de vida e a auto-estima. A oposição, por seu turno, segue aparentemente em crise de identidade e sem projeto alternativo de poder. Há tucanos muito distantes de Lula mas há também os que não lhe são tão longínquos, ao passo que o DEM parece viver um crescente divórcio com as urnas. E para completar temos a crise das instituições, com o declínio continuado da imagem do Legislativo e do Judiciário perante a opinião pública, principalmente após as mais recentes denúncias de corrupção envolvendo membros daqueles poderes, o que acaba por contribuir para o reforço da imagem do chefe do Poder Executivo.
Mas há um fator fundamental para a expressiva avaliação positiva de Lula, principalmente junto aos mais pobres e aos menos escolarizados, que ao fim e ao cabo constituem a larga maioria dos brasileiros. Lula sabe falar ao povão. Reconheçamos que para nós, membros da classe média ou mesmo dos estratos mais aquinhoados de nossa tão desigual pirâmide sócio-econômica, as vezes as falas de Lula soam meio mal aos ouvidos. É uma metáfora futebolísitica aqui, um erro de concordância acolá, um “sabe” ao final de cada frase logo adiante, uma declaração polêmica de vez em quando... mas quem se importa com isso entre os mais pobres?
Engana-se, porém, quem toma Lula como um populista aos moldes clássicos, como um Getúlio “pai dos pobres” e “mãe dos ricos”. Não, não se trata disso. Pode-se até encontrar quem veja em Lula a mãe dos ricos quando pensa nas taxas de juros e na rolagem daquilo que o professor José Luis Fiori um dia chamou de “festejada crise do Estado brasileiro”. Mas aos olhos do povão Lula não é pai nem mãe, é irmão. É algo como “um dos nossos que chegou lá”. Ou ainda “alguém que entende os nossos problemas”.
Alguns setores de classe média não compreendem muito bem tal lógica, e interpretam esta realidade pelo prisma da ignorância popular ou de uma suposta maior leniência dos mais pobres com a corrupção. Às vezes dão a impressão de querer que o país pudesse contar com um outro povo. Por sua vez o pessoal “do andar de baixo”, para lembrar Elio Gaspari, parece saber há muito tempo que a corrupção não foi inventada agora há pouco. E parece saber também que o governo de Lula não se resume às denúncias que sobre ele vêm se acumulando há tanto tempo, apesar de muito provavelmente lamentá-las tanto quanto tantos outros milhões de brasileiros.
Por fim cabe lembrar que muitos daqueles setores que torcem o nariz para Lula e para os milhões que o apóiam via de regra são os mesmos que acusam o Estado brasileiro de ineficiente. Há que se reconhecer que eles têm boa dose de razão. O Estado no Brasil, em muitos aspectos, é muito ineficiente. Em especial para os mais pobres, que sempre viram o nosso arremedo de Welfare State, já tão sofrível para a classe média, quase que como uma miragem. Não seriam a estabilidade econômica, a melhoria nos padrões de consumo e os programas sociais, tudo junto e sob o comando de um presidente de origem humilde e de grande carisma popular, o começo da transformação daquela miragem em algo mais concreto? Sabe-se lá. Que se ouça mais o povão.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Os analistas políticos somos chamados a nos manifestar sempre que pesquisas de opinião acerca dos humores do eleitorado são divulgadas. Em época de eleição são as pesquisas de intenção de voto e sua sinuosa dança dos números, da qual muitas vezes tentamos adivinhar tendências, o que nem sempre é fácil. Longe das eleições sempre nos chamam para refletir sobre as pesquisas de apoio ao governo e à figura do mandatário. Em geral o governo federal e o presidente da República.
Na semana passada, tivemos uma pequena rodada de pesquisas sobre a avaliação atual do governo e do presidente Lula. De um lado foi divulgada uma pesquisa feita por PSDB e PFL (ou DEM, como queiram). De outro a sondagem da CNT/Sensus. Apesar de diferenças aqui e ali, em essência as duas apontam para níveis elevados de aprovação popular ao governo e em especial ao desempenho pessoal de Lula. Caso pudesse ser candidato a um terceiro mandato, e conseguisse manter os atuais índices de aprovação, Lula seria um competidor quase imbatível. E aí sempre vem a pergunta: como, apesar de comandar um governo tão alvejado por denúncias de corrupção, Lula segue com níveis de aprovação tão elevados?
Os fatores para explicar o fenômeno já soam meio repetitivos, a bem da verdade. A economia vai bem. Lula e os seus souberam manejar bem os instrumentos garantidores da estabilidade da moeda, e isto é mérito deles, mas ao mesmo tempo há que se lembrar que a economia mundial vive um momento de expansão e o Brasil de 2003, quando o presidente-operário foi ao poder, já era um país bem menos desarrumado que aquele de 1995, quando FHC tornou-se presidente. Ao mesmo tempo os programas sociais atingem milhões de brasileiros pobres e contribuem, de fato, para lhes melhorar os padrões de consumo, a qualidade de vida e a auto-estima. A oposição, por seu turno, segue aparentemente em crise de identidade e sem projeto alternativo de poder. Há tucanos muito distantes de Lula mas há também os que não lhe são tão longínquos, ao passo que o DEM parece viver um crescente divórcio com as urnas. E para completar temos a crise das instituições, com o declínio continuado da imagem do Legislativo e do Judiciário perante a opinião pública, principalmente após as mais recentes denúncias de corrupção envolvendo membros daqueles poderes, o que acaba por contribuir para o reforço da imagem do chefe do Poder Executivo.
Mas há um fator fundamental para a expressiva avaliação positiva de Lula, principalmente junto aos mais pobres e aos menos escolarizados, que ao fim e ao cabo constituem a larga maioria dos brasileiros. Lula sabe falar ao povão. Reconheçamos que para nós, membros da classe média ou mesmo dos estratos mais aquinhoados de nossa tão desigual pirâmide sócio-econômica, as vezes as falas de Lula soam meio mal aos ouvidos. É uma metáfora futebolísitica aqui, um erro de concordância acolá, um “sabe” ao final de cada frase logo adiante, uma declaração polêmica de vez em quando... mas quem se importa com isso entre os mais pobres?
Engana-se, porém, quem toma Lula como um populista aos moldes clássicos, como um Getúlio “pai dos pobres” e “mãe dos ricos”. Não, não se trata disso. Pode-se até encontrar quem veja em Lula a mãe dos ricos quando pensa nas taxas de juros e na rolagem daquilo que o professor José Luis Fiori um dia chamou de “festejada crise do Estado brasileiro”. Mas aos olhos do povão Lula não é pai nem mãe, é irmão. É algo como “um dos nossos que chegou lá”. Ou ainda “alguém que entende os nossos problemas”.
Alguns setores de classe média não compreendem muito bem tal lógica, e interpretam esta realidade pelo prisma da ignorância popular ou de uma suposta maior leniência dos mais pobres com a corrupção. Às vezes dão a impressão de querer que o país pudesse contar com um outro povo. Por sua vez o pessoal “do andar de baixo”, para lembrar Elio Gaspari, parece saber há muito tempo que a corrupção não foi inventada agora há pouco. E parece saber também que o governo de Lula não se resume às denúncias que sobre ele vêm se acumulando há tanto tempo, apesar de muito provavelmente lamentá-las tanto quanto tantos outros milhões de brasileiros.
Por fim cabe lembrar que muitos daqueles setores que torcem o nariz para Lula e para os milhões que o apóiam via de regra são os mesmos que acusam o Estado brasileiro de ineficiente. Há que se reconhecer que eles têm boa dose de razão. O Estado no Brasil, em muitos aspectos, é muito ineficiente. Em especial para os mais pobres, que sempre viram o nosso arremedo de Welfare State, já tão sofrível para a classe média, quase que como uma miragem. Não seriam a estabilidade econômica, a melhoria nos padrões de consumo e os programas sociais, tudo junto e sob o comando de um presidente de origem humilde e de grande carisma popular, o começo da transformação daquela miragem em algo mais concreto? Sabe-se lá. Que se ouça mais o povão.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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