Pular para o conteúdo principal

A roda das candinhas anônimas

O que vai abaixo é o artigo do autor destas Entrelinhas para a edição desta semana do Observatório da Imprensa. No fundo, um texto didático, para quem não estava entendendo direito do que o pessoal anda falando por aí...

Tudo começou no sábado (9/2), na Folha de S. Paulo, com um artigo intitulado "0x0", da lavra do jornalista Fernando de Barros e Silva, publicado na página 2 do jornal e cuja íntegra está reproduzida abaixo. Pouca gente deve ter entendido o comentário, especialmente a parte final, em que Barros e Silva critica severamente "certos blogs politicamente aparelhados por PT e PSDB", em especial dois, o do "pequeno dândi que serve a Lula" e do "grasnador a serviço do serrismo".

O jornalista da Folha invocou uma frase do professor Demétrio Magnoli – "não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua" – para justificar a sua opção em deixar no ares alvos de uma crítica tão contundente.

No mesmo dia, o "grasnador serrista" acusou o golpe e escreveu alguns comentários em seu blog sobre o assunto, devolvendo em grande estilo a crítica que recebeu:

"Não tenho tempo para radicais de salão, esquerdistas de beira de piscina, filhotes bastardos e rejeitados do submarxismo uspiano, a engrolar em antíteses mesquinhas aqueles que seriam os contrastes profundos do Brasil. Não são a minha prioridade porque, de fato, não são nada além de contínuos das próprias irresoluções, vítimas das próprias angústias morais e prisioneiros de uma desordem mental incapaz de escolher entre o bem e o mal, o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, o moral e o imoral, a vontade e a imposição, a virtude e o vício. Poderia lhes recomendar leitura. Mas é um caso de remédio."

Já o suposto "dândi lulista" preferiu ignorar o assunto e não fez comentário algum sobre o texto de Barros e Silva.

Na segunda-feira (11/2) foi a vez do professor Magnoli escrever uma carta para o "Painel do Leitor" da Folha esclarecendo que admira muito o "grasnador serrista" e sequer lê o que o "pequeno dândi". Na carta, Magnoli também não disse o nome de nenhum dos personagens da refrega, embora tenha se postado claramente em favor de um deles.

Este observador não muita tem certeza, mas começa a achar que está entrando em cena um novo tipo de jornalismo, no qual é possível contar histórias interessantíssimas sem nominar os seus protagonistas. Talvez seja possível também evitar dizer o lugar onde se passam as ações, o período em que os fatos ocorreram: "Há muito tempo, num reino bem distante, viviam brigando o grasnador serrista e o dândi lulista..."

Nome aos bois

Antes que o leitor comece a se perguntar se também este texto vai esconder o nome dos blogueiros em questão, é possível imaginar, com base nas posições defendidas por ambos, que o "pequeno dândi lulista" referido pelo colunista da Folha seja o jornalista Paulo Henrique Amorim, apresentador da TV Record e titular do site Conversa Afiada; e, o "grasnador serrista", Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja e titular de um blog que leva seu nome.

O jornalista Fernando de Barros e Silva talvez tenha preferido deixar os nomes dos colegas de lado para evitar processos judiciais. Afinal, se achou o assunto relevante e merecedor de um registro em sua prestigiada coluna na página 2 do maior jornal do país, não haveria outra razão para o jornalista da Folha deixar de dividir com seus leitores o alvo de sua pena ferina. Se a razão não foi esta – e Barros e Silva realmente despreza o comportamento dos tais blogueiros – fica difícil entender a razão pela qual ele resolveu escrever o texto. Falta de assunto?

Qualquer que seja a motivação do jornalista da Folha de S. Paulo, a reação de Azevedo e Magnoli veio na mesma toada. Os dois poderiam colocar um ponto final na conversa de candinhas iniciada por Barros e Silva, mas preferiram continuar fofocando ao lado dos leitores, sem comprar a briga e fazer o debate sobre o tema de fundo que a coluna tratou: as relações, partidárias ou políticas, que vigoram na blogosfera. No final, o debate ficou restrito aos iniciados e não cumpriu o que é a essência do jornalismo: servir ao interesse público.

A seguir, o texto que deu início à polêmica:

0 x 0
Fernando de Barros e Silva # copyright Folha de S.Paulo, 9/2/2008

PT e PSDB dividem e disputam a hegemonia política do país há muitos anos. Isso não é novidade para ninguém. Foi na eleição de 1994 que os partidos se consolidaram como pólos do jogo democrático. Tudo indica que em 2010 continuará sendo assim – embora, sem Lula, Ciro Gomes possa romper a monotonia dessa gangorra.

Fernando Henrique, que ao longo da vida – como intelectual e político – viu coisas importantes antes dos outros, disse certa vez que PT e PSDB competiam para ser a locomotiva das forças do atraso no processo de modernização do país.

É verdade. Resta saber o que exatamente resultou das alianças políticas firmadas e dos compromissos assumidos por tucanos e petistas. Ou quanto eles próprios revelaram ser identificados com o atraso que prometiam combater. Não é um jogo muito bonito e deve acabar 0 x 0. A história fará melhor balanço.

O fato é que tucanos e petistas, como lembrou Elio Gaspari, se parecem no essencial. Mais, talvez, do que gostariam. Convergiram para o centro, tornaram-se pragmáticos e cínicos no exercício do poder.

O efeito dessa hegemonia tucano-petista sobre o pensamento crítico foi devastador. Quantos radicais do nada, quantos Fla x Flus imaginários! Mas tudo sempre pode piorar. Em termos de degradação moral e miséria intelectual, nada supera hoje certos blogs politicamente aparelhados por PT e PSDB.

Farei como falou um dia Demétrio Magnoli: não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua. O pequeno dândi que serve a Lula e o grasnador a serviço do serrismo são, no fundo, a mesma pessoa. Um não existe sem o outro. Funcionam, além disso, como seitas virtuais, mobilizando um restrito grupo de seguidores ruidosos que costuma mimetizar até jargões e cacoetes ofensivos dos gurus. É lamentável.

No caldeirão fervilhante desse parajornalismo rebaixado, é impossível discernir o que é engajamento, o que é negócio e o que é só lobby de si mesmo. PT e PSDB – tudo a ver.

Comentários

  1. Muito bom o texto de Barros Silva, concordo plenamente com ele.

    ResponderExcluir
  2. No caso de PHA, há que se reconhecer que ele diz ao que vem, haja vista a sua famosa "não coma gato por lebre". Ademais, sua influência na grande mídia pode ser percebida em eventos como o da publicação, pela própria "Folha", de matéria sobre os cartões de débito do governo do Estado de São Paulo. O jornalão somente o fez após ser interpelado publicamente pelo jornalista, que tinha informações de que o diário paulistano tinha acesso aos dados.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...