Pular para o conteúdo principal

Iglecias: Transparência não tem preço

Em mais uma colaboração para o blog, o professor Wagner Iglecias escreve sobre o assunto da hora: os gastos com cartões corporativos (ou de débito, como querem os tucanos de São Paulo). Abaixo, a íntegra do texto:

Senhoras e senhores, foi dada a largada para a enésima batalha entre governo e oposição. São tantas as pelejas que o leitor-cidadão até se confunde. Do mensalão para cá foram muitas. Algumas das mais recentes foram a questão da crise aérea e agora há poucos dias a questão da febre amarela.

Mas até mesmo as batalhas políticas andam aceleradas nestes dias que correm e vão sendo substituídas rapidamente. Momo reinava e o Brasil brincava quando veio à tona o caso dos cartões corporativos. Faz tempo que há um murmúrio aqui e ali sobre o assunto, mas a coisa tomou corpo depois que o próprio governo colocou informações sobre alguns gastos de seus funcionários na internet. Como se sabe, já houve baixa na equipe de Lula por conta disso e já houve ministro devolvendo dinheiro.

A oposição, que continua apostando na estratégia do desgaste moral de Lula e dos seus, viu ali oportunidade para fustigar um pouco mais o governo. Parece que não deu. Veio a quarta-feira de Cinzas e lá estavam os números, chegando aos blogs, com os gastos com cartões corporativos do governo de José Serra, do PSDB de São Paulo.

Enquanto isso em Brasília o governo se adiantava e pedia CPI no Senado, para investigar os gastos desde FHC. A oposição foi acuada e agora já não se sabe mais se vai dar suas assinaturas para a instalação da comissão.

Independentemente da batalha particular entre PT e PSDB/DEM, que se arrasta há tanto tempo, cabe lembrar que o cartão corporativo é uma ferramenta importante para dar conta das despesas cotidianas da administração publica. Muitos especialistas afirmam que é melhor medida que o deposito em conta, uso de cheque etc., até porque permite o controle eletrônico e imediato dos gastos. Há que se ressaltar, também, que todo dinheiro que circula ali saiu do seu, do meu, do nosso bolso. E o contribuinte não é federal, estadual ou municipal. Não importa tanto, aqui, que o governo federal tenha 10 mil funcionários públicos com o cartão na mão e o governo Serra tenha 40 mil. Nem que o problema possa vir a aparecer em outros estados da federação, como sugerem os jornais.

O problema, que os governos têm de explicar (federal, estaduais, municipais, empresas públicas etc.) é essa prática de se utilizar o cartão para sacar dinheiro em espécie, com difícil comprovação de seu uso. A sociedade brasileira merece saber. Transparência não tem preço.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

  1. Concordo. Acrescentaria que a criação de um portal na internet, como fez o governo Lula, listando todas as operação feitas com os cartões, é tão ou mais importante que o cartão. Pois é ele, o portal, que torna o gasto público transparente e não o cartão em si.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...