Pular para o conteúdo principal

Lula, 84%: mídia perde a chance de explicar

O que vai abaixo é um artigo do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. Em primeira mão para os leitores do blog.

A pauta não era boa, era excelente: como pode um presidente da República conseguir 84% de aprovação em meio ao que a imprensa vem qualificando de "maior crise da história do capitalismo" (os mais prudentes prefere afirmar que é a "pior desde 1929")?

A cobertura dos jornalões sobre o fenômeno, porém, foi pífia. Todos registraram o resultado da pesquisa CNT/Sensus divulgada na segunda-feira (2/2), e até com algum destaque – a Folha de S. Paulo, por exemplo, se rendeu à importância do levantamento e deu chamada na primeira página, coisa incomum quando a pesquisa não é do Datafolha –, mas jornal algum foi capaz de realizar a contento uma pauta óbvia, qual seja a de tentar responder a pergunta que todo cidadão deve ter feito ao receber a notícia dos 84%: como, afinal, o presidente Lula consegue mais apoio em um momento como este?

É preciso um pouco de criatividade para ir além da obrigatória consulta a um ou dois cientistas políticos ou economistas, categorias que ultimamente andam unidas nos erros clamorosos que cometem em suas previsões. Lula é carismático? Muito, sem dúvida, mas o que realmente significa ser carismático? O presidente se comunica melhor do que os demais políticos? Aparentemente sim, então nada melhor do que perguntar a quem entende do riscado quais são os trunfos do ex-líder operário em relação aos seus colegas.

Nem é tão difícil assim. Além dos acadêmicos da área e marqueteiros em geral, por que não ousar e tentar ouvir de um Silvio Santos ou um Fausto Silva alguma explicação sobre a facilidade do presidente em obter empatia com o público? Ou tentar pelo menos explicar aos leitores o conceito de carisma, mostrar exemplos de personalidades que ao longo da história foram consideradas carismáticas. Nada disto é muito complicado.

Via de regra, o que os jornalões apresentaram nas matérias sobre a pesquisa CNT/Sensus foi a já velha explicação de que a crise "ainda não bateu" no Brasil, de maneira que quando a turbulência ficar mais forte, inevitavelmente a popularidade do presidente cairá.

Este observador até acha possível que isto de fato aconteça, mas também pode ser que um fenômeno diferente ocorra (ou já esteja ocorrendo neste momento): sim, a crise é grave, gravíssima, até, mas o povão teria entendido que a culpa não é do presidente Lula. Como diria Leonel Brizola, essa crise vem de longe, muito longe, do outro lado do Rio Grande, de forma que responsabilidade pelo drama, na avaliação popular, Lula não tem nenhuma.

Ao contrário, a imagem que o presidente passa é a de que está trabalhando justamente para minimizar os efeitos da crise no país com a isenção de impostos, diminuição dos juros, esforços para revitalizar o crédito e aumento do salário mínimo para proteger os mais pobres, entre tantas outras medidas tomadas recentemente. Tudo somado, qualquer que seja a explicação para o fenômeno, apenas uma foi contemplada nos jornalões - a de que a popularidade vai cair quando a crise enfim chegar. E pelo que a própria mídia vem publicando, esta explicação é meio capenga, uma vez que as demissões em massa estão em curso desde dezembro...

Presidente na mídia popular

No fundo, os jornalões, perplexos com a performance presidencial e também aferrados na habitual má-vontade que nutrem pelo presidente, minimizaram uma notícia que tinha tudo para render análises interessantes e matérias de muita leitura. A Folha de S. Paulo, especialmente, perdeu uma oportunidade de ouro. A principal nota da coluna Painel, publicado na mesma página da reportagem sobre a pesquisa, informava que neste ano o governo pretende produzir uma coluna, assinada pelo presidente, para os jornais populares.

Ora, uma das chaves para explicar a popularidade presidencial é a forma com que Lula usa a mídia a seu favor, mesmo tendo boa parte dos veículos em posição bastante crítica ao seu governo. O presidente é capaz de criar fatos políticos como nenhum outro, à exceção talvez de Getúlio Vargas e Jânio Quadros. O presidente fala muito, discursa sempre que pode, conhece o poder da imagem e sabe perfeitamente oferecer "o lide" para os jornalistas. Não é preciso ler jornais para saber fazer isto, basta um pouco de perspicácia e compreensão da atividade jornalística, e isto o ex-metalúrgico certamente vem aprendendo e aperfeiçoando desde os tempos do sindicato.

Do outro lado do balcão, a mídia ora se rende à simpatia e ao jeitão despojado do presidente, ora bate sem dó nem piedade nessas mesmas características do líder, muitas vezes caracterizando o seu estilo como "populista". Lula não pode ser populista porque este conceito é datado, remonta aos anos 30 do século passado. No máximo, poderia ser um "neopopulista", mas também esta carapuça não cabe muito bem no presidente. Mas voltando ao que interessa aqui, o fato é que com essas duas posturas a imprensa brasileira presta um desserviço aos leitores pois endeusando ou demonizando o presidente, a única coisa que não se faz é explicar, ou pelo menos tentar explicar, este novo fenômeno da política nacional. Pelo jeito, vai ficar para os historiadores, os jornalistas não estão se mostrando capazes de uma tarefa que nem é assim tão complicada...



Comentários

  1. balanço do PAC
    Magalhães, vc que trabalha com política, num jornal voltado para indústria deve ter visto o balanço do PAC divulgado ontem.

    Me diga, você também não acha muito manipulado esse balanço divulgado ? eu peguei para analisar no final da tarde de ontem, mas deu para perceber que o documento maqueia muito a real situação, coloca no seu balanço obras que não constavam antes somente para aumentar o bolo, coloca em obras paralisadas o status de dentro do prazo e etc...

    Principalmente na área de energia, pode-se perceber a manipulação, espero que hoje os veículos consigam destrinchar melhor esse balanço.

    um abraço

    ResponderExcluir
  2. Corroboro o depoimento de Ravagnani e acrescento um outro tópico. Pela manhã, assistindo o noticiário, ouvi um comentário econômico demonstrando que os pouco mais de 600 milhões do PAC, são, na verdade, em torno de 38 milhões, já que os demais recursos declarados fazem parte dos investimentos normais das estatais e dos programas públicos. Esse um ponto de análise importante a que o jornalismo poderia se dedicar, no interesse dos leitores.

    ResponderExcluir
  3. Ninguem até agora esta levando en conta as diferentes açoes do governo Lula no imaginario popular...

    Se fazemos uma comparaçao com o governo Fernando Henrique o tinhamos (numa crise de menor proporçao)
    - O Brasil tendo que pedir dinheiro ao FMI
    - O FHC fazendo propostas antisociais (reforma da previdencia)
    - o FHC chamando os aposentados de Vagabudno
    - O governo FHC dizendo que a gente (os jovens) nao conseguia trabalho porque nao tinham formaçao ...

    Vejam as atitudes proativas do governo Lula para entender porque o povo o aprova...

    ResponderExcluir
  4. Bom Dia Magalhães
    sugiro a leitura do editorial do Estadão "Ilusionismo com o PAC ", publicado nesta quinta-feira.

    Achei a análise muito boa, inclusive nas críticas ao governo e à Dilma, que parece já estar em campanha, enquanto muitas obras importantes para o desenvolvimento do país estão atrasadas, não licitadas e aguardando licensas.

    Abs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe