Pular para o conteúdo principal

Quando os tucanos não se bicam

Na semana em que o PMDB fez barba, cabelo e bigode no Congresso, o PSDB conseguiu roubar a cena nos dias seguintes à eleição de José Sarney (AC) no Senado e Michel Temer (SP) para o comando da Câmara Federal. O que aconteceu na eleição para a liderança da bancada tucana na Câmara não foi uma mera disputa interna, normal em qualquer partido político. Quando é assim, os derrotados logo se resignan e a vida segue em frente. No caso da reeleição de José Aníbal (SP) para o cargo de líder – o que não era previsto no estatuto interno do PSDB, alterado especialmente para a ocasião -, o racha foi profundo e terá consequências futuras.

Para quem não conhece os bastidores tucanos, cabe alguma explicação. Aníbal já foi presidente do partido e em 2004, depois de perder a eleição para senador por São Paulo em 2002, fez um grande favor ao então candidato a prefeito da capital, hoje governador José Serra, disputando uma vaga na Câmara Municipal. Se elegeu com boa votação e foi o que no jargão político se chama de "puxador de votos", trazendo para o partido mais algumas vagas na Câmara e, portanto, mais tranquilidade para Serra governar.

A expectativa de Aníbal após a eleição era, no mínimo, a de ser presidente da Câmara Municipal ou mesmo secretário na prefeitura. Mas Serra operou contra o então vereador, que ficou a ver navios. Desde então, o hoje líder do PSDB na Câmara dos Deputados joga junto com os rivais de Serra. Em 2006, foi um dos articuladores da candidatura de Alckmin à presidência e atualmente é um dos soldados da pré-candidatura de Aécio Neves à presidência em 2010.

Evidentemente, o que está por trás da disputa dos tucanos na Câmara é justamente a vaga de candidato à presidência em 2010. José Aníbal só conseguiu dar o golpe que deu porque contava com o respaldo de Aécio Neves. O que talvez os aecistas não esperavam foi a reação da ala "serrista", que abriu uma dissidência de 19 deputados, comandados por Paulo Renato de Souza, ex-ministro da Educação de Fernando Henrique.

Bem, a esta altura, o leitor pode estar se perguntando: "e daí? Eles que são brancos que se entendam". É bem verdade que a questão está circunscrita ao PSDB, mas para um analista mais arguto, a questão pode ser resumida em outra frase bem popular: Serra não está com esta bola toda em seu próprio partido... E isto é uma informação relevante, porque muitos analistas já estão dando de barato que o governador paulista será o candidato à presidência do PSDB em 2010. Melhor ir devagar com o andor, porque o santo é de barro. Serra é o favorito, mas também era em 2006, quando o pio Geraldo Alckmin comeu pelas beiradas e se tornou o adversário de Lula nas urnas. Também é verdade que Serra já papou Geraldo ao nomeá-lo secretário, unificando o PSDB paulista, o que só torna ainda mais significativa a manobra de Aníbal, um paulista, no xadrez político que vai se tornando a disputa pela vaga de candidato tucano em 2010.

No fundo, a reeleição de Aníbal tem para Aécio o mesmo gosto que teve para Serra a nomeação de Alckmin, até então um defensor da candidatura do mineiro à presidência. O jogo só não empatou porque Serra está na frente nas pesquisas de opinião. Aécio, porém, não é nenhum bobo e vai trabalhar com o argumento da Grande Conciliação Nacional em tempos de crise para tentar ser ele o "pós-Lula", um candidato afável ao governo, mas com verniz de oposição. O grande problema de Aécio é que Serra já percebeu a jogada e se colocou ele mesmo, José Serra, neste papel. O jogo tende a ficar cada vez mais bruto daqui para frente, o que no fundo só ajuda uma pessoa: Dilma Rousseff...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And