O que vai abaixo mais um artigo do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. Em primeira mão para os leitores do blog.
O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, esteve em São Paulo na segunda-feira (16/2), um dia após a vitória de seu colega venezuelano Hugo Chávez no plebiscito sobre o fim do limite à reeleição para o cargo de presidente naquele país. A imprensa brasileira não tem a menor simpatia por Chávez e trata Uribe com grande deferência, quase sempre ressaltando o papel do líder colombiano no combate às Farcs e ao narcotráfico.
Uribe, para quem não conhece, lembra um pouco o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), guardadas as devidas proporções. Ambos são conservadores, cordatos e parecem menos espertos do que de fato são. Alckmin deu em 2006 um nó político no atual governador José Serra, coisa que muitos julgavam realmente impossível de acontecer, e desta forma conseguiu a vaga de presidenciável do PSDB na eleição daquele ano. Uribe vem se fazendo de morto, mas trabalha ativamente para conseguir um terceiro mandato na presidência da Colômbia, o que por lá também não é permitido pelas regras atuais.
Em dezembro do ano passado, pouco antes do Natal, a Câmara Federal colombiana aprovou um projeto que autoriza a realização de um referendo para que a população decida se Uribe pode concorrer ao terceiro mandato. O projeto ainda não teve aprovação definitiva, tramitará no Senado, mas o fato é que não se viu na imprensa brasileira nada além de pequenos registros sobre a tentativa de Uribe de se manter no poder mais algum tempo.
Evidentemente, não foi este o tipo de cobertura reservada ao processo político venezuelano desde que Hugo Chávez começou a lutar para mudar as regras eleitorais em seu país. No caso de Chávez, a imprensa brasileira desde logo criticou as iniciativas do coronel e acusou o presidente de golpismo, autoritarismo e outros ismos ainda mais fortes. Não foram poucos os jornais que passaram a qualificar Chávez de “ditador” ou usar variações sobre o tema. Até o momento, ninguém na mídia tupiniquim chamou Uribe de golpista ou escreveu sobre o “projeto de perpetuação no poder” do colombiano.
É óbvio que a imprensa brasileira está utilizando dois pesos e duas medidas ao cobrir processos extremamente semelhantes que ocorrem nos dois países vizinhos. Em São Paulo, falando a empresários e investidores brasileiros, Uribe saudou a “vitória da democracia” na Venezuela: “Ao presidente Chávez, nossas congratulações, [e também] ao povo irmão da Venezuela, por praticar a democracia”, afirmou o presidente da Colômbia.
Questionado sobre o processo em andamento em seu país, Uribe foi logo explicando que seu projeto não é “personalista”: “Eu não quero que as pessoas pensem que eu prefiro a perpetuação no poder do que o amor pela pátria”, deixou claro o presidente (clique aqui para assistir o discurso de Álvaro Uribe no encontro do Grupo de Líderes Empresariais).
Nada justifica a falta de espaço do terceiro mandato colombiano na imprensa brasileira, especialmente quando se compara a cobertura do caso com a do processo que terminou domingo na Venezuela. Os dois países são, do ponto de vista do interesse dos leitores e telespectadores brasileiros, bastante similares, de forma que não há explicação editorial plausível para um caso entrar na pauta e o outro sumir.
Este observador poderia arriscar uma explicação bastante simples para o fenômeno: enquanto Chávez vem do exército, tem cara de latino-americano (e, portanto, de ditador de república de bananas), assume uma postura independente dos Estados Unidos e é bastante crítico em relação ao sistema capitalista, Álvaro Uribe é o seu oposto completo. Estudante em Oxford e pós-graduado em Harvard, o colombiano aparenta estirpe para comandar qualquer país europeu, não se confunde com um chicano qualquer, sem falar nas diferenças ideológicas – um oceano separa o pensamento de Uribe e Chávez.
Refletindo melhor, porém, seria tacanho imaginar que a diferença descomunal na cobertura dos dois processos se deva a este tipo de detalhe. Com certeza os jornalões começarão, a partir de agora, a acompanhar de perto os bastidores da tentativa de Uribe de se reeleger mais uma vez e não pouparão o líder colombiano dos mesmos adjetivos que empregam ao presidente Hugo Chávez. O leitor deste Observatório pode começar a prestar atenção e acompanhar, ao longo deste ano, o padrão de cobertura da política latino-americana. Uribe, Chávez mais o “índio” Evo Morales, a “espevitada” Cristina Kirchner e o “caloteiro” Rafael Côrrea são os protagonistas. Não deixa de ser um bom exercício para aprender a nunca mais ler jornal do mesmo jeito.
O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, esteve em São Paulo na segunda-feira (16/2), um dia após a vitória de seu colega venezuelano Hugo Chávez no plebiscito sobre o fim do limite à reeleição para o cargo de presidente naquele país. A imprensa brasileira não tem a menor simpatia por Chávez e trata Uribe com grande deferência, quase sempre ressaltando o papel do líder colombiano no combate às Farcs e ao narcotráfico.
Uribe, para quem não conhece, lembra um pouco o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), guardadas as devidas proporções. Ambos são conservadores, cordatos e parecem menos espertos do que de fato são. Alckmin deu em 2006 um nó político no atual governador José Serra, coisa que muitos julgavam realmente impossível de acontecer, e desta forma conseguiu a vaga de presidenciável do PSDB na eleição daquele ano. Uribe vem se fazendo de morto, mas trabalha ativamente para conseguir um terceiro mandato na presidência da Colômbia, o que por lá também não é permitido pelas regras atuais.
Em dezembro do ano passado, pouco antes do Natal, a Câmara Federal colombiana aprovou um projeto que autoriza a realização de um referendo para que a população decida se Uribe pode concorrer ao terceiro mandato. O projeto ainda não teve aprovação definitiva, tramitará no Senado, mas o fato é que não se viu na imprensa brasileira nada além de pequenos registros sobre a tentativa de Uribe de se manter no poder mais algum tempo.
Evidentemente, não foi este o tipo de cobertura reservada ao processo político venezuelano desde que Hugo Chávez começou a lutar para mudar as regras eleitorais em seu país. No caso de Chávez, a imprensa brasileira desde logo criticou as iniciativas do coronel e acusou o presidente de golpismo, autoritarismo e outros ismos ainda mais fortes. Não foram poucos os jornais que passaram a qualificar Chávez de “ditador” ou usar variações sobre o tema. Até o momento, ninguém na mídia tupiniquim chamou Uribe de golpista ou escreveu sobre o “projeto de perpetuação no poder” do colombiano.
É óbvio que a imprensa brasileira está utilizando dois pesos e duas medidas ao cobrir processos extremamente semelhantes que ocorrem nos dois países vizinhos. Em São Paulo, falando a empresários e investidores brasileiros, Uribe saudou a “vitória da democracia” na Venezuela: “Ao presidente Chávez, nossas congratulações, [e também] ao povo irmão da Venezuela, por praticar a democracia”, afirmou o presidente da Colômbia.
Questionado sobre o processo em andamento em seu país, Uribe foi logo explicando que seu projeto não é “personalista”: “Eu não quero que as pessoas pensem que eu prefiro a perpetuação no poder do que o amor pela pátria”, deixou claro o presidente (clique aqui para assistir o discurso de Álvaro Uribe no encontro do Grupo de Líderes Empresariais).
Nada justifica a falta de espaço do terceiro mandato colombiano na imprensa brasileira, especialmente quando se compara a cobertura do caso com a do processo que terminou domingo na Venezuela. Os dois países são, do ponto de vista do interesse dos leitores e telespectadores brasileiros, bastante similares, de forma que não há explicação editorial plausível para um caso entrar na pauta e o outro sumir.
Este observador poderia arriscar uma explicação bastante simples para o fenômeno: enquanto Chávez vem do exército, tem cara de latino-americano (e, portanto, de ditador de república de bananas), assume uma postura independente dos Estados Unidos e é bastante crítico em relação ao sistema capitalista, Álvaro Uribe é o seu oposto completo. Estudante em Oxford e pós-graduado em Harvard, o colombiano aparenta estirpe para comandar qualquer país europeu, não se confunde com um chicano qualquer, sem falar nas diferenças ideológicas – um oceano separa o pensamento de Uribe e Chávez.
Refletindo melhor, porém, seria tacanho imaginar que a diferença descomunal na cobertura dos dois processos se deva a este tipo de detalhe. Com certeza os jornalões começarão, a partir de agora, a acompanhar de perto os bastidores da tentativa de Uribe de se reeleger mais uma vez e não pouparão o líder colombiano dos mesmos adjetivos que empregam ao presidente Hugo Chávez. O leitor deste Observatório pode começar a prestar atenção e acompanhar, ao longo deste ano, o padrão de cobertura da política latino-americana. Uribe, Chávez mais o “índio” Evo Morales, a “espevitada” Cristina Kirchner e o “caloteiro” Rafael Côrrea são os protagonistas. Não deixa de ser um bom exercício para aprender a nunca mais ler jornal do mesmo jeito.
A velha mídia é mesmo hipócrita.
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