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A mídia e a campanha deste ano

Uma semana após o fim da primeira etapa das eleições, é possível fazer um balanço sobre o comportamento da cobertura da mídia brasileira do processo eleitoral até o primeiro turno. Muitos petistas discordam, mas este blog avalia que a imprensa brasileira vinha se comportando bem até o início da crise da compra do dossiê que incriminaria José Serra e políticos tucanos no esquema fraudulento dos sanguessugas. Com a prisão dos petistas no Hotel Íbis, em São Paulo, o mar virou e o que se viu nas páginas dos grandes jornais, em maior escala, e nas emissoras de televisão, em menor grau, foi uma verdadeira campanha contra o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e o PT. Em duas semanas, a imprensa andou para trás e reproduziu o jornalismo feito nos anos 50 e 60, quando o paradigma era o engajamento explícito dos veículos de comunicação.

Pode parecer exagero, mas foi isto mesmo o que ocorreu. O Estado de S. Paulo, por exemplo, publicou editoriais que em nada ficam devendo à famosa série do Correio da Manhã nos três dias que antecederam o golpe de 31 de março de 1964, quando o matutino carioca saiu com os títulos "Chega", "Basta" e "Fora" em seus artigos de fundo, como eram chamados então os editoriais. O concorrente do Estadão, Folha de S. Paulo, também foi à luta para impedir o avanço de Aloizio Mercadante e garantir a eleição do candidato do jornal para o governo do Estado, o tucano José Serra. Tamanha foi a afoiteza, que o jornal simplesmente repetiu a manchete por dois dias ("Preso diz que PT pagou entrevista contra Serra", na segunda (18/9) e "PT pagou para ter dossiê contra Serra", diz preso no dia anterior), além de ter conseguido a proeza de levar ao alto da primeira página um título que nem o boletim de Serra teve coragem de publicar: "Vedoin isenta José Serra no caso sanguessuga". Até o ombudsman do jornal reconheceu o "excesso" e condenou a manchete...

Nas emissoras de televisão, a paulada em Lula e no PT esteve sempre um tom abaixo dos jornais, mas também houve um nítido engajamento, talvez não tanto na campanha de Alckmin, mas na idéia de que o segundo turno seria bom para o País. Evidentemente, a ausência do presidente nos debates sempre foi um foco de tensão, pois sem ele a audiência desses programas é menor, o que por si só provoca reações destemperadas dos executivos de televisão.

Antes do episódio do dossiê, a imprensa reclamava da falta de debate e da campanha "modorrenta", sem confronto e sem emoções. A cobertura repetia o padrão de 2002, quando também o governante de ocasião e seu candidato recebiam críticas duras, a oposição tinha espaço assegurado e os colunistas expressavam livremente suas opiniões. No PT, há quem discorde frontalmente desta avaliação. Para o Terceiro Vice-Presidente do partido, Valter Pomar, a mídia brasileira vem tendo um comportamento contrário a Lula desde meados de 2005, quando Roberto Jefferson denunciou o suposto esquema do mensalão. Segundo ele, o que ocorreu no início da campanha foi um efeito semelhante à diminuição de uma música que estava tocando em volume ensurdecedor. Valter atribui às regras eleitorais essa "diminuição de volume" e concorda que o escândalo do dossiê recolocou o volume nas alturas, a despeito de tais regras.

Na verdade, se bem analisado o argumento de Valter, é possível dizer que ele concorda com a tese deste blog. O que aconteceu foi mesmo uma trégua da imprensa durante a campanha. Lula recebeu muitas críticas? Recebeu. E Geraldo Alckmin, também não foi questionado? Este blog avalia que também Alckmin foi alvo de críticas. Até o episódio do dossiê, portanto, o jogo estava equilibrado – Lula não é o candidato das elites e portanto é natural que tenha recebido mais críticas do que Alckmin. O que desequilibrou a partida foi mesmo o dossiê. Neste ponto, a história ainda há de contar com detalhes o que de fato aconteceu para que os "meninos aloprados" de Lula decidissem por um lance tão arriscado e que, no momento, ainda coloca em xeque uma reeleição que estava mais do que decidida a favor do presidente.

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