Pular para o conteúdo principal

O debate dos marqueteiros

O debate da TV Record foi, de longe, o mais monitorado pelos marqueteiros dos candidatos à Presidência. Se no programa da TV Bandeirantes o Brasil conheceu a porção "pitbull" de Geraldo Alckmin e no SBT ele recuou em demasia, na Record o tucano tentou ser firme, mas sem perder a ternura. Lula, por outro lado, está afiado e com respostas na ponta da língua para qualquer tipo de provocação. Usou a ironia algumas vezes, mas não tantas quanto no debate do SBT, e também abandonou a leitura exaustiva dos números e realizações de seu governo. Tudo isto é resultado do trabalho dos marqueteiros, que procuram sanar os pontos fracos apontados pelas pesquisas qualitativas e reforçar o que foi considerado bom pelos entrevistados na performance anterior de seus clientes-candidatos.

O maior problema deste tipo de preparação para os debates é que eles estão ficando muito repetitivos. Ninguém aguenta mais ouvir Alckmin dizer que é diferente de Lula – se fosse igual, não estaria tentando evitar a reeleição do atual presidente, por certo...

De fato, quem acompanha mais de perto os discursos dos dois candidatos já é capaz de antecipar, no tempo em que a pergunta está sendo formulada, o que cada qual vai dizer em seguida.
Também é possível perceber melhor as estratégias de Lula e Alckmin. O ex-governador de São Paulo, por exemplo, incorporou aquela maneira meio piegas que a senadora Heloísa Helena tinha de abrir o programa agradecendo o "carinho, as flores e os beijinhos das crianças e dos homens e mulheres de bem deste país". Alckmin só não agradeceu os beijinhos, de resto fez tudo igual. Soou bem estranho, mas vai saber o que as qualitativas dizem... Talvez seja o único jeito encontrado por Luiz Gonzáles para atrair o eleitorado da candidata do PSOL Lula, por sua vez, exagerou um pouco na ênfase para a sua política externa - de fato, é um ponto forte de seu governo, mas duas perguntas quase seguidas sobre o mesmo assunto, com os mesmos argumentos sendo repetidos de parte a parte, é um teste para a paciência até do pessoal do Itamaraty. Alckmin também tentou "desconstruir" a boa imagem de Lula entre os nordestinos, mas talvez o tiro tenha saído pela culatra, porque a resposta do presidente foi muito boa e indignada, frente a uma tréplica quase assustada do candidato tucano.

Ao fim e ao cabo, os dois candidatos tiveram bons e maus momentos e talvez o resultado final tenha sido um empate ou uma vitória magra de qualquer um deles, a gosto do freguês – lulistas terão preferido o desempenho do presidente; alquimistas dirão que o vitorioso foi o pitbull light que entrou em campo nesta segunda-feira. É bom lembrar, e talvez seja este o ponto crucial desta reta final da campanha, que Alckmin continua resistindo a desferir ataques pessoais contra o candidato à reeleição. A tal bombástica capa da revista Veja, conforme este blog previu, ficou de fora do debate. O problema todo é que se Alckmin citar a denúncia sobre o filho do presidente, pode mais uma vez dar a Lula o papel de vítima que ele tem utilizado com bastante eficiência. Se não houver um desastre no debate final, na TV Globo, é realmente pouco provável que Geraldo Alckmin consiga uma virada. Nesta terça, mais emoção: vem aí a pesquisa Datafolha, que será divulgada logo mais, às 20h, no Jornal Nacional da TV Globo.

Comentários

  1. Nem com um improvável desastre; se as pesquisas estiverem corretas, a oposição não conseguirá em três dias arrancar mas de 23 milhões de votos de Lula. Com a "bomba" do primeiro turno, conseguiram surripiar algo como 8 ou 9 milhões de votos. Mas não sei se foi só a "bomba"; vi muita gente esperando realmente aque Lula desse uma resposta às denúncias da oposição e defendesse sua proposta no tal debate da Globo, ao qual ele não compareceu. Mas não é bom que Lula ganhe por uma margem pequena; a vitória seria mais facilmente legitimável se fosse esmagadora, e já vi sites alkmistas alegando que ganhar por uma margem inferior aos 18 ou 19 milhões de votos do segundo turno com Serra lhes daria discurso. A ver.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...