Pular para o conteúdo principal

Janio de Freitas: Collor + Lacerda = Alckmin

O colunista Janio de Freitas escreve nesta terça-feira uma interessante análise do debate de domingo, realizado na TV Bandeirantes. Como o site da Folha de S. Paulo só permite acesso aos textos para assinantes do UOL ou da Folha, este blog reproduz abaixo a íntegra da matéria. Também vale a pena ler o texto do líder do MST João Pedro Stédile, publicado hoje na seção Tendências e Debates do mesmo jornal com o sugestivo título "É preciso barrar a direita e derrotar Alckmin".

Do debate à discussão

SE O DEBATE Lula x Alckmin na Bandeirantes levou alguém a mover-se com sua preferência de um para outro candidato, o imaginável é que se trate de um portador de hiperatividade, à espera sempre de um pretexto. As votações de internet que aí estão, para sugerir vencedor, não têm representatividade, expostas que são a mobilizações organizadas para amplificar determinar apoio. Não só votações de sentido político, aliás, sujeitam-se na internet às deformações de representatividade.

Não houve debate. Houve discussão. O novo modelito apresentado por Geraldo Alckmin determinou o rumo do confronto, não incluindo nele nem uma só idéia ou proposta sua para o eventual exercício da Presidência, nem permitindo que o adversário o fizesse, caso o desejasse mesmo. O outro componente do modelito teve menos conseqüências para o eleitor ansioso por saber, afinal, um pouco do que pense o ex-governador de São Paulo. Mas não foi menos impróprio para o que deveria ser a confrontação de projetos para o país.

Geraldo Alckmin, à revelia do que até então aparentara, apresentou-se como um misto de Carlos Lacerda e Fernando Collor. O pior de ambos: a agressividade compulsiva de Lacerda e a arrogância de Collor. A agressividade inquisitiva de Alckmin, até para fazer perguntas insossas e que mal conseguia concluir, não parecia de Geraldo Alckmin, o imperturbável. A ostentação de uma superioridade humilhante lembrou muito pouco, se chegou a lembrar, o Geraldo Alckmin até então apresentado aos eleitores, e muito o Collor do debate com Lula.

O Geraldo Alckmin da Bandeirantes pode ter correspondido à cobrança de Fernando Henrique, que expôs de público a sua nostalgia pela ausência de Carlos Lacerda, não pelo brilho, mas pela agressividade. Nunca foi a atitude adotada na carreira de Fernando Henrique, conhecedor de tudo o que convém à propulsão de uma carreira, e deixou Lacerda distante de tudo o que mais quis.

Lula também não esteve à altura da ocasião. Acima de outros possíveis motivos, por este: não poderia estar. Não tinha saída. Caso recusasse, para falar de propostas, o rumo inquisitorial dado por Alckmin já a partir do primeiro instante do confronto, Lula seria acusado de fuga aos temas incômodos. Aceito o rumo, para não se mostrar fugitivo, ficou condicionado à discussão em lugar de debate programático, supondo-se que o desejasse como o sugeriu mais de uma vez.

Caso as investigações não a respondam antes, continuará explorada a pergunta mais repetida por Alckmin na discussão: "De onde veio o dinheiro?" (do negócio com o dossiê). Não é uma indagação-acusação honesta. Até agora não consta nenhuma sugestão objetiva, nem sugestão, de que Lula tenha algo a ver com o negócio do dossiê ou, ao menos, conhecimento dele -como Roberto Jefferson lhe deu, em parte, do mensalão.

Comentários

  1. Essa história de quem ganha ou não o debate é absurda. A idéia de um debate é, em tese, discutir propostas, caminhos para o país. Na minha opinião, essas enquetes "quem vc acha que ganhou o debate" são ridículas e só desvirtuam nosso processo eleitoral.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...