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Iglecias: ascensão e queda em marcha lenta

Em mais uma colaboração para este blog, o professor Wagner Iglecias comenta os números das duas últimas pesquisas Datafolha e Ibope. Vale a pena ler o artigo na íntegra. O sonho de segundo turno de Geraldo Alckmin parece estar mesmo cada vez mais distante.


No levantamento realizado pelo Datafolha em 01/09 Lula aparecia com 51% das intenções de voto, contra 27% de Geraldo Alckmin e 11% dos demais candidatos somados. Naquela ocasião eram 4% os que pretendiam anular o voto ou votar em branco e 6% os que estavam indecisos. A diferença entre as intenções de voto em Lula e nos demais candidatos batia o recorde de 12 pontos.

No intervalo de apenas 26 dias, no entanto, aquela diferença despencou para 5 pontos percentuais. Na pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira, 27/09, Lula aparece com 49% das intenções de voto. Alckmin, por sua vez, saltou para 33%, enquanto a soma dos demais candidatos permaneceu na casa dos 11%. Permaneceu inalterado o percentual daqueles que pretendem anular o voto ou votar em branco, na casa dos 4%. Caiu, porém, a quantidade dos que se declaram indecisos, que agora somam apenas 3%. Posto isto, o que as duas pesquisas Datafolha nos permitem concluir?


Em primeiro lugar que a questão da compra, por membros do PT, de um dossiê que envolveria políticos tucanos com a máfia das ambulâncias não teve grande impacto sobre as intenções de voto no presidente Lula, em que pese a farta cobertura de mídia que o caso vem tendo nas duas últimas semanas. A variação, de 51% para 49%, no intervalo de quase quatro semanas, pode ser considerada como dentro da margem de erro da pesquisa. O voto em Lula parece, pelo menos até aqui, fortemente consolidado.


Uma segunda conclusão é que Alckmin, por sua vez, vem experimentando, no mesmo período, um crescimento lento mas constante. Entre o levantamento de 01/09 e o de 27/09 o Datafolha fez outras três sondagens, e em todas elas o candidato tucano teve crescimento. Muito se especulou que o ex-governador de São Paulo estaria tomando votos de Heloísa Helena. Em verdade a somatória de votos dos demais candidatos permaneceu quase inalterada, pois se Heloísa perdeu alguns pontos cresceram as intenções de voto em Cristóvam Buarque e Ana Rangel. Assim, os seis pontos que Alckmin ganhou entre o primeiro Datafolha de setembro e este de agora se distribuiriam da seguinte maneira: 2 pontos de Lula, 1 ponto do conjunto dos demais candidatos e 3 pontos dos indecisos, que caíram pela metade neste último levantamento.


Por fim, embora as curvas demonstrem, nas cinco pesquisas feitas pelo instituto neste mês que antecede a eleição, que Lula oscila para baixo e Alckmin oscila para cima, ambos os movimentos são pouco mais que suaves. Alckmin parece subir mais por conta de, ao longo da campanha, ir se tornando mais conhecido, do que propriamente por algum outro fator como a questão do surgimento do mais recente escândalo envolvendo o PT. Mas a distância das intenções de voto entre ele e Lula caiu de 23% para 16% no período.


Como a quantidade de votos brancos e nulos, bem como de eleitores indecisos, deve manter-se nos níveis em que está, ao tucano parece apenas restar arrancar do eleitorado de Lula metade destes 5% que lhe faltam para provocar um segundo turno. Nesta hipótese, Lula cairia para 46,5% do total de votos, a mesma quantidade atingida pelos demais candidatos somados. E 2,5 pontos podem parecer pouco, mas são algo como 3 milhões de votos saindo diretamente da cesta de Lula para o balaio de Alckmin. É impossível que isso aconteça? Não. Mas não vai ser fácil.


Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

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