Pular para o conteúdo principal

Uma eleição sem emoções e sem debate

A campanha eleitoral já caminha para o seu desfecho e, a despeito do que escreveram muitos analistas e especialistas em ciência política, o Brasil talvez esteja vivendo a mais calma eleição desde a redemocratização do País. Há cerca de um ano, muita gente chegou a dizer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem sequer seria candidato, por causa do escândalo do mensalão. Depois, quando Lula começou a se recuperar, os professores de política diziam que ele teria muita dificuldade para se reeleger porque a campanha seria duríssima, uma pancadaria só. Até agora, a pancadaria toda se resumiu às marchinhas sobre dólares na cueca e decepção com o governo. Pouco, muito pouco. A rigor, quase neda.

E de fato, toda a emoção desta eleição, pelo menos a presidencial, pode ter acabado no dia em que a candidatura Anthony Garotinho foi sepultada, após a desesperada greve de fome que acabou deixando o ex-governador em uma situação ridícula de ter que finalizar o movimento sem que nenhuma de suas reivindicações tivesse sido atendida. Garotinho era a garantia de que a eleição seria decidida no segundo turno. Se tivesse conseguido viabilizar a sua candidatura pelo PMDB ou mesmo pelo PSC – Garotinho poderia ter mudado de partido no ano passado –, o ex-governador do Rio faria uma campanha certamente bem mais agressiva do que a de Alckmin, até porque ele poderia criticar a política econômica de Lula, coisa que o tucano não consegue fazer, uma vez que os petistas deram sequência ao que vinha sendo feito pelo PSDB nos 8 anos de Fernando Henrique Cardoso.

Por outro lado, depois de um ano de fortes emoções no campo moral, com o mensalão, vampiros, sanguessugas e a casa de tolerância de Antonio Palocci, o eleitorado parece ter aprendido que também os petistas, como os demais políticos, não são propriamente "puros", o que apenas os faz iguais aos demais. Iguais por iguais, o povão parece ter relevado o argumento moral da política e passou a prestar atenção em outras coisas para decidir em quem votar. Assim, a suposta "pancadaria" de Alckmin contra Lula vem fazendo efeito muito pequeno, quase nulo, a julgar pelas pesquisas. Uma boa imagem é dizer que Alckmin prega para convertidos, coisa que também faz a candidata do PSOL, Heloísa Helena.

A senadora alagoana, por sinal, começou bem a campanha, tentando se diferenciar politicamente, fazendo a crítica ao modelo econômico, mas acabou se perdendo em seu próprio labirinto e agora, pateticamente, tenta competir com Alckmin para ver quem fala mais da corrupção no governo Lula. Somando o estilo udenista de Geraldo e Helena ao autismo educacional do senador Cristovam Buarque, a verdade é que niguém até agora chegou a fazer realmente ameaçar o líder das pesquisas, que, olimpicamente ignora qualquer tentativa de debate e segue vendendo o Brasil Grande que fundou em 1° de janeiro de 2003.

Ao fim e ao cabo, Lula deve ser reeleito menos pelos seus méritos do que pelos erros crassos de todos os candidatos da oposição.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...