Pular para o conteúdo principal

A versão de Antônio Palocci

Muita gente não gosta do ex-ministro Antônio Palocci e atribui a ele o excesso de ortodoxia do governo Lula. Outros acham imperdoável que Palocci tenha ordenado a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, no episódio que lhe custou o cargo de ministro da Fazenda. E há ainda os que condenam com veemência o comportamento privado do hoje deputado federal pelo PT de São Paulo. Independemente da imagem que se faça do ex-ministro, vale a pena ler o recém-lançado "Sobre formigas e cigarras", livro no qual Palocci apresenta a sua versão dos fatos.

Antes de mais nada, é bom lembrar o exemplo do ex-ministro Alceni Guerra, que foi acusado , no auge da crise do governo Collor, de corrupção em um caso envolvendo a compra de bicicletas para a pasta da Saúde. Alceni sofreu um massacre na mídia e foi personagem de uma charge que passou para a história, tamanha a sua virulência e, também, covardia, ao envolver o filho do ministro, que aparecia, de olhos vendados tal e qual os menores infratores, na garupa de uma bicicleta, sendo levado pelo pai. O tempo mostrou que Alceni era inocente e nada tinha a ver com a tal falcatrua.

Não se trata aqui, evidentemente, de afirmar que Palocci é um novo Alceni Guerra. Para tanto, e Palocci sabe disto, há todo um caminho a ser percorrido, pela via judicial, até que se prove a inocência do ex-ministro nos casos em que foi envolvido. O livro, porém, é interessante não apenas pelas informações que traz sobre o caso Francenildo, as denúncias sobre as gestões à frente da prefeitura de Ribeirão Preto, e a famosa Casa do Lobby, mas também pelas análises do ex-ministro sobre a economia brasileira e ainda por algumas informações sobre os bastidores da tomada de decisões fundamentais para a economia brasileira.

Palocci conta, por exemplo, que foi o presidente Lula quem decidiu pelo estabelecimento da metade 4,5% para a inflação de 2005, contrariando até mesmo as expectativas dos ortodoxos da Fazenda, que pleiteavam 5%, e ajudando assim o argumento do Banco Central na manutenção de juros altos para debelar a espiral inflacionária para os níveis desejados. Antônio Palocci faz também um interessante balanço do que foi feito durante o seu mandato e quais são os desafios para este segundo período de governo Lula. Se estivesse no comando da economia nacional, Palocci estaria hoje trabalhando duro por uma reforma tributária que simplificasse e trouxesse mais racionalidade ao sistema.

Sobre o caso Francenildo, o ex-ministro insinua que o caseiro estava mesmo sendo manipulado pelo ministro Antero Paes de Barros (PSDB-MT) e nega ter dado qualquer ordem para quebrar o sigilo do denunciante. Segundo Palocci, há duas hipóteses para o que ocorreu: ou a quebra partiu de alguém com o objetivo de derrubá-lo do cargo, porque sabia que imediatamente a oposição denunciaria a ilegalidade do ato; ou de alguém com o objetivo sincero de ajudá-lo, sem ter consciência das consequências daquele ato. Palocci relata o episódio sem alterar o tom bastante tranquilo de suas reflexões e diz que "a política cobrou seu preço", relacionando sua saída do ministério da Fazenda a um momento em que as oposições vislubraram a vitória na eleição presidencial, partindo assim para uma postura mais agressiva contra o governo Lula.

Da famosa Casa do Lobby, Palocci fala muito pouco e diz ter como provar que não poderia ter frequentado o local com a frequência que lhe foi atribuída, em função de compromissos em outros Estados e países. Não nega, porém, ter estado na mansão. E sobre os diversos casos de corrupção que teriam ocorrido em Ribeirão Preto, Palocci enumera as absolvições que vem conseguindo nos tribunais e afirma que foram sempre denúncias vazias, com intenção de prejudicá-lo politicamente.

Ao fim e ao cabo, o livro merece ser lido pelo que revela sobre um período conturbado da história nacional. Palocci evidentemente não conta tudo que viu, mas personagem central que foi deste período, o pouco ali revelado já vale a leitura.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...