O artigo abaixo, do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barrros, é uma interessante análise do que está acontecendo na economia nacional. Evidentemente, Mendonção não é exatamente um fã do governo petista, muito pelo contrário. Serviu no governo Fernando Henrique e chegou a ser lembrado como um "formulador" de uma política econômica mais desenvolvimentista, em contraponto à ortodoxia de Pedro Malan. Perdeu a batalha, mas continua sendo uma referência econômica entre os tucanos. Vale a pena ler o artigo na íntegra. No final, há uma referência até um pouco cínica à falta de investimentos do governo em infra-estrutura: é justamente o principal objetivo do PAC e, venhamos e convenhamos, não se trata de um ponto forte do governo ao qual Mendonção serviu.
Lula e seu keynesianismo
O MINISTRO da Fazenda, Guido Mantega, certamente seguindo ordens do presidente Lula, jogou a toalha e aderiu ao pensamento econômico do Banco Central. Suas críticas ácidas às políticas monetária e cambial, sabemos agora, eram apenas bravatas no melhor estilo de seu chefe. Com isso, está encerrado o período de desencontros dentro do governo e teremos agora uma maior homogeneidade na condução da política econômica.
Para o bem e para o mal. Claramente o motivo central dessa incrível conversão do antigo desenvolvimentista Mantega foi a constatação de que a economia vai voando em céu de brigadeiro neste início do segundo mandato de Lula.
O presidente da República sabe que sua força com a maioria da população vem exatamente dos resultados na economia e deve ter mandado Mantega se enquadrar. Lula sabe que sua força deriva do crescimento bem maior do que o verificado em seu primeiro mandato, da inflação baixa e estável, do aumento do emprego e da renda, principalmente entre os assalariados que ganham menos de dois salários mínimos, de um verdadeiro carnaval de crédito ao consumo e o dólar a R$ 2.
Gostaria de refletir hoje sobre a natureza da política econômica do governo Lula. Como defini-la seria nosso primeiro desafio. E eu começaria dizendo que existem nela cores muito evidentes de um certo keynesianismo reconstruído. Há um forte estímulo fiscal criado pelos aumentos vigorosos do salário mínimo e da extensão do Bolsa Família.
E aqui um pequeno comentário de natureza teórica. Keynes fez menção a gastos públicos com pirâmides apenas para mostrar que o relevante, em situações de crescimento econômico fraco, é a criação de demanda efetiva. O objetivo a ser perseguido é a criação de renda adicional, por meio de gastos do governo e que se multiplicam em outros gastos de consumo e investimento privados.
No caso do Brasil de hoje, essa renda adicional está sendo criada por meio de maiores salários e transferências sociais nos segmentos de forte propensão a consumir. Essa forma é claramente muito mais eficiente do ponto de vista de aumento da demanda do que as pirâmides de Keynes. Mas isso só foi possível em razão de uma situação nova, criada a partir de meados de 2005: o acúmulo de dólares em nossa balança de pagamentos criada pela incrível demanda chinesa por matérias-primas.
A mudança de sinal em nossas contas externas, para mim o pilar do sucesso da política econômica do governo, provocou uma valorização significativa do real e, ao mesmo tempo, um processo continuado de aumento do coeficiente de importação. A maior abertura da economia teve papel primordial na estabilização da inflação em níveis inferiores ao centro da meta perseguida pelo Banco Central. A combinação virtuosa de segurança em relação à taxa de câmbio e à inflação baixa possibilitou a queda rápida dos juros e um boom de crédito ao consumo. Nesse novo ambiente de crédito e de aumentos reais do salário mínimo e do Bolsa Família, o consumo dos brasileiros passou a crescer a taxas quase chinesas.
Entretanto, para compreender nossa economia neste início do segundo mandato de Lula, é necessário perceber, em toda a sua dimensão, o aparecimento de uma nova dinâmica de oferta de bens no mercado interno. Além do poderoso -e apenas incipiente- canal das contas externas, está ocorrendo uma aceleração dos investimentos em máquinas e instalações, complementando o papel das importações para o aumento da oferta de bens na economia. Tudo isso tem permitido que o aumento do consumo das famílias ocorra sem pressão sobre preços e o tradicional processo de aumento dos juros pelo Banco Central, evitando que o estímulo keynesiano termine rapidamente na forma menos nobre de uma recessão.
O quadro favorável para nossa economia, que se desenha com clareza hoje, é a combinação de todos esses fatores. O que chama a atenção é que tudo isso acontece sem que tenha havido um conhecimento prévio ou nenhuma visão estratégica por parte do governo. Na verdade, tudo isso tem ocorrido a despeito da inoperância da administração Lula, que em algum momento cobrará sua fatura, principalmente por conta da falta de investimento em infra-estrutura.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Lula e seu keynesianismo
O MINISTRO da Fazenda, Guido Mantega, certamente seguindo ordens do presidente Lula, jogou a toalha e aderiu ao pensamento econômico do Banco Central. Suas críticas ácidas às políticas monetária e cambial, sabemos agora, eram apenas bravatas no melhor estilo de seu chefe. Com isso, está encerrado o período de desencontros dentro do governo e teremos agora uma maior homogeneidade na condução da política econômica.
Para o bem e para o mal. Claramente o motivo central dessa incrível conversão do antigo desenvolvimentista Mantega foi a constatação de que a economia vai voando em céu de brigadeiro neste início do segundo mandato de Lula.
O presidente da República sabe que sua força com a maioria da população vem exatamente dos resultados na economia e deve ter mandado Mantega se enquadrar. Lula sabe que sua força deriva do crescimento bem maior do que o verificado em seu primeiro mandato, da inflação baixa e estável, do aumento do emprego e da renda, principalmente entre os assalariados que ganham menos de dois salários mínimos, de um verdadeiro carnaval de crédito ao consumo e o dólar a R$ 2.
Gostaria de refletir hoje sobre a natureza da política econômica do governo Lula. Como defini-la seria nosso primeiro desafio. E eu começaria dizendo que existem nela cores muito evidentes de um certo keynesianismo reconstruído. Há um forte estímulo fiscal criado pelos aumentos vigorosos do salário mínimo e da extensão do Bolsa Família.
E aqui um pequeno comentário de natureza teórica. Keynes fez menção a gastos públicos com pirâmides apenas para mostrar que o relevante, em situações de crescimento econômico fraco, é a criação de demanda efetiva. O objetivo a ser perseguido é a criação de renda adicional, por meio de gastos do governo e que se multiplicam em outros gastos de consumo e investimento privados.
No caso do Brasil de hoje, essa renda adicional está sendo criada por meio de maiores salários e transferências sociais nos segmentos de forte propensão a consumir. Essa forma é claramente muito mais eficiente do ponto de vista de aumento da demanda do que as pirâmides de Keynes. Mas isso só foi possível em razão de uma situação nova, criada a partir de meados de 2005: o acúmulo de dólares em nossa balança de pagamentos criada pela incrível demanda chinesa por matérias-primas.
A mudança de sinal em nossas contas externas, para mim o pilar do sucesso da política econômica do governo, provocou uma valorização significativa do real e, ao mesmo tempo, um processo continuado de aumento do coeficiente de importação. A maior abertura da economia teve papel primordial na estabilização da inflação em níveis inferiores ao centro da meta perseguida pelo Banco Central. A combinação virtuosa de segurança em relação à taxa de câmbio e à inflação baixa possibilitou a queda rápida dos juros e um boom de crédito ao consumo. Nesse novo ambiente de crédito e de aumentos reais do salário mínimo e do Bolsa Família, o consumo dos brasileiros passou a crescer a taxas quase chinesas.
Entretanto, para compreender nossa economia neste início do segundo mandato de Lula, é necessário perceber, em toda a sua dimensão, o aparecimento de uma nova dinâmica de oferta de bens no mercado interno. Além do poderoso -e apenas incipiente- canal das contas externas, está ocorrendo uma aceleração dos investimentos em máquinas e instalações, complementando o papel das importações para o aumento da oferta de bens na economia. Tudo isso tem permitido que o aumento do consumo das famílias ocorra sem pressão sobre preços e o tradicional processo de aumento dos juros pelo Banco Central, evitando que o estímulo keynesiano termine rapidamente na forma menos nobre de uma recessão.
O quadro favorável para nossa economia, que se desenha com clareza hoje, é a combinação de todos esses fatores. O que chama a atenção é que tudo isso acontece sem que tenha havido um conhecimento prévio ou nenhuma visão estratégica por parte do governo. Na verdade, tudo isso tem ocorrido a despeito da inoperância da administração Lula, que em algum momento cobrará sua fatura, principalmente por conta da falta de investimento em infra-estrutura.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
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