Pular para o conteúdo principal

Collor: passado e futuro

Fernando Collor de Mello (PTB-AL) realizou nesta quinta-feira, exatamente 17 anos depois de tomar posse na presidência da República, o movimento final na sua longa e delicada operação para voltar ao cenário político brasileiro com alguma relevância e chance de recuperar o poder perdido em 1992. Collor fez o seu primeiro discurso como senador da República e falou sobre o momento mais importante que viveu – o impeachment, primeiro e único na história do País. O que se viu foi um Collor comedido no tom – ele nem de longe lembrou o efusivo orador de 1989 e se limitou a ler as 99 páginas cuidadosamente redigidas – , mas decidido a mostrar a sua indignação com a "farsa" que teria sido o processo de impeachment. Também afirmou que foi vítima de "preconceito" e "abusos ", lembrando que não perdeu um único processo na Justiça.

De fato, Collor foi absolvido no Supremo e muita gente séria na área jurídica considera a votação do impeachment após a renúncia do então presidente um absurdo lógico e uma arbitrariedade dos senadores. A verdade é que a condenação foi política e Collor já pagou a pena a que foi condenado. Há quatro anos, começou a tentativa de voltar para a cena política, mas perdeu a eleição para o governo de Alagoas. No ano passado, conseguiu se eleger senador pelo seu estado e dispõe agora de um excelente palanque em Brasília para tentar voar mais alto.

Collor pode ser muita coisa, mas bobo, não é. No discurso desta quinta-feira, depois de posar de vítima, reconheceu seus erros no relacionamento com o Congresso e terminou citando William Shakespeare: “Hoje, posso virar definitivamente aquelas páginas doídas de minha vida pública e, finalmente, invocar o personagem Marco Antônio, na peça 'Julio César':
“I come to bury Cæsar, not to praise him”. (Vim para enterrar o Cesar, não para exaltá-lo) Como ele, Senhor Presidente, senhoras e senhores Senadores, não vim lastimar o passado. Vim para sepultar de vez essa dolorosa lembrança.”

O ex-presidente sabe que está no início de seu recomeço. Sepultar a dolorosa lembrança é apenas parte deste trabalho. Collor já avisou que vai tentar recuperar a credibilidade perdida em 1992. Para tanto, ele aposta em novas bandeiras: logo nos primeiros dias de atuação no Senado, procurou se inserir nas comissões permanentes que lidam com temas ambientais e sinalizou que pretende entrar para valer neste debate. Um dia antes de seu histórico discurso, por exemplo, Collor coordenou uma audiência pública na Subcomissão Permanente de Acompanhamento do Regime Internacional de Mudanças Climáticas com o físico José Goldemberg, ministro em sua gestão, sobre a necessidade de atualização do Protocolo de Kyoto. Nitidamente, Collor quer repetir a fórmula de Al Gore e se apresentar, mais uma vez, como um político moderno, arrojado e bem intencionado. Pode parecer difícil imaginar uma volta do ex-presidente ao poder, mas é bom não subestimar a capacidade de convencimento de Fernando Collor.

Comentários

  1. Belo Blog.
    Parabéns!!!!!
    Passa lá no meu também!
    Quer fazer uma troca de link?
    Se quiser me manda um e-mail para:
    mauricio-baroni@hotmail.com
    Abraços.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...